O uso de medicamentos para o tratamento de obesidade e diabetes tipo 2 — as chamadas “canetas emagrecedoras” — tem se popularizado nos últimos anos. No Brasil, existem diferentes opções aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas é preciso atenção ao uso de remédios sem indicação médica, e principalmente à venda de versões manipuladas ou sem aprovação dos órgãos competentes.
É o caso da retatrutida, medicação da farmacêutica Eli Lilly que está em fase de estudos, ainda sem aprovação em nenhum país, mas tem aparecido em anúncios nas redes sociais como promessa de emagrecimento. Em junho, a Receita Federal chegou a apreender canetas de retatrutida que eram transportadas presas ao corpo de uma passageira no aeroporto de Salvador (BA).
“Usar retatrutida é um absurdo completo. A retatrutida é um remédio que tem muito potencial, ele foi estudado em fase 2, ou seja, estudos que avaliam basicamente a eficácia, e várias doses diferentes para que depois, em estudos maiores, se avalie a eficácia em conjunto com a segurança em números maiores de pessoas”, explica Bruno Halpern, endocrinologista, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e presidente eleito da World Obesity Federation.
Sem garantia de eficácia e segurança
A venda de medicamentos sem aprovação, obviamente, não é permitida. “Utilizar medicamentos em fase de estudos é um crime e um perigo. É um crime sanitário, e é um perigo para a sociedade, porque a gente não sabe [da segurança]. Pode ser que o remédio seja extremamente seguro e eficaz? Pode, mas nós não temos essa informação”, afirma o médico.
Ele destaca que os remédios em fase de estudos não são disponibilizados no mercado de forma nenhuma. Eles só podem ser usados dentro de cenários de pesquisas clínicas. Ou seja, não há como saber a procedência e nem garantir a segurança de produtos vendidos de forma clandestina.
“Eu acho que o fato de pessoas fazerem propaganda disso abertamente mostra em que estado que nós estamos, porque é uma coisa tão absurda do ponto de vista ético, sanitário, legal, que não tem nem por onde começar”, avalia o dr. Bruno.
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Por que são necessários estudos de fase 3?
Para que um medicamento seja aprovado, é necessário que ele tenha estudos de fase 3 concluídos. Segundo o especialista, existem milhões de medicamentos que foram estudados em fase 2 e, ao chegar na fase 3, mostraram riscos inaceitáveis, efeitos colaterais graves que fizeram com que a própria indústria desistisse — ou seja, sequer foram submetidos para aprovação.
“Os estudos de fase 3 têm mais pessoas. Os estudos de fase 2 geralmente são feitos com poucas pessoas, você avalia várias doses e assim o laboratório vai decidir quais as doses que vão ser estudadas nesses estudos maiores. Como são estudos com poucas pessoas, existem efeitos colaterais menos óbvios, que só vão ser percebidos com mais pessoas”, esclarece.
No caso específico da retatrutida, trata-se de um agonista triplo que tem GLP-1 e GIP — como a tizerpatida —, mas também tem glucagon (hormônio produzido pelo pâncreas).
“Não existe nenhum remédio no mundo com glucagon aprovado, a não ser glucagon para situações agudas de hipoglicemia em crianças. A gente não sabe os efeitos desse hormônio a longo prazo. A gente sabe que ele aumenta a frequência cardíaca, aumenta enjoo. Então, não é uma possibilidade tão absurda e remota que, por exemplo, se mostre que existem riscos e a tolerabilidade seja menor. Por isso que a gente precisa de estudos fase 3, porque se avalia um número maior de pessoas”, explica o endocrinologista.
Atenção às propagandas de medicamentos
No Brasil, não é permitida a propaganda de medicamentos que exigem prescrição médica. Assim, desconfie de qualquer anúncio disponibilizando esse tipo de remédio — isso já é uma infração. “Esses remédios novos para tratamento de obesidade, todos eles têm patente, então só podem ser vendidos em farmácia”, diz o médico.
Atualmente, também têm sido divulgadas as versões feitas em farmácias de manipulação, como a tizerpatida manipulada. O dr. Bruno alerta que elas não têm avaliação de segurança. “Usa-se algumas brechas da Anvisa para isso, mas nenhuma dessas manipulações passaram por fiscalização da Anvisa, de onde vieram esses produtos e assim por diante. Então, as sociedades médicas só recomendam o uso do [remédio] original.”
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Avaliação médica individualizada
Buscar avaliação médica para tratar obesidade ou sobrepeso é fundamental para que o profissional possa analisar cada caso individualmente. Em relação às medicações, vale destacar que desde junho de 2025 a venda de medicamentos análogos de GLP-1 (como tizerpartida, semaglutida e liraglutida) só pode ser feita com retenção de receita.
“Existem vários medicamentos aprovados no Brasil para o tratamento da obesidade. Cada paciente vai ter uma indicação. Existem interações medicamentosas com remédios que as pessoas já estão usando, tudo depende do peso inicial, da história prévia do paciente, de quais são as doenças associadas. Não é só emagrecer, [é preciso] ver outras questões como pressão arterial, colesterol, glicemia, enfim, uma série de fatores. O tratamento farmacológico por si só é importante, mas ele é só uma parte do cuidado de pessoas com obesidade”, conclui o especialista.




