ƒCães, gatos, coelhos, hamsters… Mesmo que sejam dóceis, esses animais ainda podem morder. Saiba como agir em caso de mordida de animal doméstico.
Carla Colivati tinha descido do carro em um posto de gasolina para fazer o pagamento. Um cachorro vira-lata, que vivia nos arredores do posto, chegou mais perto. De costas, Carla não viu a aproximação, mas sentiu a dor: o animal havia mordido a parte de trás da sua panturrilha.
Segundo dados da Fiocruz, a maior prevalência de mordidas de animais domésticos no Brasil é ocasionada por cães. Gatos, coelhos e roedores, como hamsters, chinchilas e porquinhos-da-índia, também fazem parte dessa lista. Em geral, os ferimentos são pequenos e pouco profundos, mas merecem certos cuidados — seja quando causados por bichinhos de rua ou por aqueles que já são do convívio da vítima.
Como escapar do ataque de um animal doméstico?
“Existem animais que são muito dóceis, mas você faz um movimento brusco ou um barulho sem querer e ele revida. Às vezes, é um animal que a pessoa tem a vida inteira e o incidente acontece em um momento de distração”, ilustra Juliana Durigan, dentista veterinária em Mato Grosso.
Nessas horas, é difícil dizer exatamente o que fazer para conter o bichinho, porque depende muito do local, da situação e do comportamento dele. É importante destacar que, em nenhuma hipótese, é aceitável machucar ou deixar o animal inconsciente.
Para se preservar e também manter a integridade física do animal, a veterinária indica tentar afastá-lo de algumas maneiras:
- Entrar em algum ambiente e fechar a porta;
- Jogar um pano em cima do animal, como uma coberta ou um lençol, a fim de desorientá-lo;
- Jogar água ou derrubar um objeto pesado no chão para fazer barulho, pois isso irá assustá-lo e fazê-lo recuar:
- Se for um animal pequeno, segurá-lo até que se acalme, sempre tomando cuidado para não machucá-lo.
O que fazer imediatamente após a mordida?
No caso de Carla, os frentistas foram ajudá-la e espantaram o cachorro do local. Ao chegar em casa, ela limpou o ferimento e fez um curativo. A recomendação é essa mesmo: higienizar muito bem a região atingida usando água e sabão.
A dica é deixar a água escorrer por alguns minutos e remover todo o sabão. Se tiver soro fisiológico em casa, irrigue abundantemente a área da lesão. Depois, imobilize o membro afetado e deixe-o mais elevado do que o resto do corpo.
O ferimento é considerado leve quando a mordida for pouco extensa, única e superficial, geralmente no tronco ou nos membros superiores e inferiores. Já um ferimento grave é aquele que acontece nas mãos ou na cabeça, caracterizado por uma mordida mais extensa, múltipla e de grande profundidade.
Na dúvida, o melhor a fazer é procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima para que o quadro seja avaliado corretamente.
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Como é o atendimento em caso de mordida de animal doméstico?
“Chegando ao atendimento em saúde, eles vão avaliar direitinho qual é a gravidade do ferimento e também entender o contexto do animal, se ele gera risco de transmitir doenças ou não”, explica a dra. Vânia Maia, clínica geral em São Paulo.
A equipe irá analisar quatro informações principais:
- Qual é a espécie que causou a lesão (cão, gato, roedor, etc.);
- Quais foram as circunstâncias da mordida e qual era o comportamento do animal na hora;
- Se possível, qual era o status imunológico do animal, isto é, se as vacinas estavam em dia ou se ele estava tomando algum medicamento;
- E qual é o histórico de zoonoses da região, ou seja, se há surtos locais de doenças transmissíveis dos animais para os seres humanos (e vice-versa).
A partir daí, será possível definir o tratamento para cada caso.
Quando Carla buscou atendimento no dia seguinte ao incidente, ela foi orientada a tomar as doses da vacina antitetânica. Isso porque todos os ferimentos causados por mordidas de animais domésticos têm alto risco de ocorrência de tétano, uma infecção aguda e grave.
“Quando o paciente tem histórico vacinal desconhecido ou menos de três doses da vacina antitetânica, é na UBS que será completado o esquema de vacinação. Já se o histórico vacinal estiver completo, a pessoa toma uma dose de reforço”, detalha a médica.
Raiva e outras complicações
Outra medida tomada no serviço de atenção primária é a aplicação da vacina antirrábica caso haja a suspeita de o animal estar contaminado com raiva. Os indícios envolvem aparente nervosismo e agressividade por parte do bicho, além de ele babar muito e agir de forma esquisita.
A raiva é uma zoonose que demora em torno de 45 dias para começar a se manifestar no corpo humano, a depender da carga viral transmitida pela mordida e a proximidade da lesão com o sistema nervoso central.
Os sintomas são febre, alteração de sensibilidade nos membros, fotofobia (sensibilidade à luz), aerofobia (medo ou incômodo diante de ruídos ou correntes de vento), hiperacusia (sensibilidade auditiva), comportamento ansioso, delírio, espasmos musculares, convulsão generalizada, excesso de salivação, entre outros. Na grande maioria dos casos, a doença é fatal, devido a alterações no sistema renal e cardiorrespiratório.
“Se o animal que te mordeu for passível de observação, preste atenção se nos próximos 10 dias ele irá apresentar alguma complicação que sugira que ele esteja com raiva. Se ele sumir ou morrer, isso também é um indicativo”, alerta a dra. Vânia.
Se, no final desse período, não acontecer nada com o animal, está tudo bem e o caso é encerrado. Mas, se houver a suspeita ou a lesão for de alto risco, é preciso tomar a vacina antirrábica de acordo com o seguinte esquema:
- Primeira dose: no dia do incidente ou na data mais próxima;
- Segunda dose: 3 dias após a primeira dose;
- Terceira dose: 7 dias após a primeira dose;
- Quarta dose: 14 dias após a primeira dose.
Há também a imunoglobulina antirrábica, um soro aplicado até sete dias após a primeira dose da vacina.
Além da raiva, o paciente pode desenvolver tétano ou uma infecção no ferimento, a qual é tratada com o uso de antibióticos. Existe também o risco de esporotricose, uma micose transmitida principalmente por mordidas de gato, combatida com antifúngicos.
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E o animal?
Ainda que o período de observação do animal para a raiva seja de 10 dias, a veterinária Juliana explica que o ideal é buscar ajuda para o pet o quanto antes.
“Se o cão, por exemplo, está com raiva, ele provavelmente vai apresentar sinais clínicos antes da mordida. Não é comum ele estar feliz e contente e, de repente, morder ou começar a babar e tremer. A ordem é inversa”, pontua. Se o calendário vacinal do bichinho estiver em dia, é pouco provável que ele vá transmitir raiva, diz a veterinária.
Então, a causa provavelmente é outra. Um dos motivos que pode ter ocasionado o ataque é se o animal estiver sentindo dor, como dor no joelho, no quadril ou na coluna. “Quando isso acontece, ele tende a mudar o comportamento e ficar mais agressivo como uma forma de responder à sensação ruim”, explica a especialista.
Além disso, é claro, está o medo. Se o animal está em um lugar diferente, que o deixe mais estressado, ou se ele é pego de surpresa, por uma brincadeira ou movimento brusco, também pode reagir com a mordida. Esse ato é uma estratégia de defesa frente a situações amedrontadoras.
Precaução especial com as crianças
É por isso que nunca se pode deixar as crianças sozinhas com os animais, mesmo que ambos estejam acostumados com a presença um do outro.
“Quando a criança fica muito com o pet no colo, agarrando e apertando, uma hora esse animal vai se estressar. Na tentativa de sair do colo, ele pode arranhar ou morder. É preciso explicar para a criança que o bichinho precisa do próprio espaço, não pode ficar sendo carregado no colo toda hora e nem ser derrubado no chão”, exemplifica Juliana.
No caso dos pequenos, a região mais atingida por mordidas de animais domésticos é a face. Como consequência, muitos adultos abandonam os pets depois de incidentes como esse. Para evitar que isso aconteça, é preciso impor limites e manter a ordem dentro de casa, a fim de garantir o bem-estar do pet e da criança.
Traumas psicológicos após a mordida de animal doméstico
Seja na infância ou em qualquer outra fase da vida, o ataque de um animal pode deixar marcas também na saúde mental. Por ser um evento estressante, é possível que a vítima desenvolva um trauma e até uma fobia em relação à espécie que a atacou.
Evitar contato com bichos semelhantes ou sentir um medo exagerado e irracional ao chegar perto são alguns dos sintomas. O tratamento é feito com acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico.
Carla ficou com certo receio de se aproximar de outros cachorros na rua por um tempo, mas, felizmente, não desenvolveu nenhuma fobia duradoura. Depois do incidente, ela já teve dois pitbulls em casa, o Simon e a Capitu, e, hoje, ama os animais.
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