Fobias | Entrevista

A principal característica da agorafobia é estar associada ao transtorno de pânico. Geralmente, a pessoa relaciona esse transtorno a determinadas situações ou ambientes e passa a evitá-los.

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Publicado em: 30 de agosto de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

A agorafobia é um distúrbio de ansiedade que, na maioria das vezes, está associado às crises de pânico. Nos casos mais graves, compromete a vida social e profissional dos pacientes.

 

Quando era estudante de Medicina, tive uma experiência com uma amiga que encontrei na porta do prédio onde haveria uma festa no 15º andar. Fui para o elevador e ela se dirigiu para as escadas. “Prefiro ir pelas escadas. Tenho medo de elevador”, foi o que me disse. Eu insisti e insisti para que subíssemos juntos, e ela acabou concordando. Lá pelo 7º andar, entrou numa crise de pânico tão desesperado que apertei o botão de emergência. O elevador parou e nós subimos pela escada até o local da festa.

Minha amiga era portadora de um transtorno chamado claustrofobia (medo de lugares fechados) no qual a ansiedade é desencadeada por situações que para os outros não representam perigo nem ameaça.

A agorafobia é outro distúrbio de ansiedade que, na maioria das vezes, está associado às crises de pânico. Formada por dois radicais gregos – ágora, nome dado às praças onde se realizavam trocas de mercadorias ou reuniões do povo e fobos, que quer dizer medo, – inicialmente, a palavra era empregada para indicar o medo que as pessoas sentiam em lugares abertos. Hoje, o significado é muito mais amplo. Segundo o “Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiatra Americana (DSM-IV)”, a palavra é usada para definir comportamentos de esquiva, que aparecem quando a pessoa se encontra em situações ou locais dos quais seria difícil ou embaraçoso escapar ou mesmo receber socorro se algo de errado acontecesse. Nos casos mais graves, a agorafobia compromete a vida social e profissional dos pacientes.

 

CARACTERÍSTICAS

 

Drauzio – O que caracteriza a agorafobia?

Tito P. de Barros – A principal característica da agorafobia é estar associada ao transtorno de pânico. Geralmente, a pessoa relaciona esse transtorno a determinadas situações ou ambientes e passa a evitá-los com medo que deflagrem ataques de pânico. Por exemplo, sair de casa sozinha. Se algum dia ela saiu de casa a pé ou de carro e passou mal no trânsito, evita sair desacompanhada. Precisa sempre de alguém de confiança por perto. Mesmo dentro de casa, se teve um ataque de pânico, dormindo ou enquanto tomava banho, não consegue mais ficar sozinha.

As situações que desencadeiam o processo são muitas. O agorafóbico teme enfrentar congestionamentos, passar por túneis e pontes, viajar em estradas que não tenham telefones de emergência instalados a cada 1 ou 2 quilômetros, porque julga que sair dali será difícil ou embaraçoso ou, ainda, porque o socorro não estará disponível se ocorrer uma emergência.

 

Drauzio – O ataque de pânico associado a uma fobia específica – medo de ficar preso no elevador, por exemplo, –  costuma estender-se a outras situações da vida diária?

Tito P. de Barros – Pode restringir-se, como pode generalizar-se. Isso depende de uma série de fatores, inclusive da personalidade. Se a pessoa for mais vulnerável biologicamente ou às condições determinadas pelo ambiente e pela educação, pode ampliar um quadro de fobia específica para um quadro de agorafobia ampla.

Há indivíduos que só apresentam manifestações fóbicas, de ansiedade, em ambientes fechados. O caso da sua amiga que teve um ataque de pânico situacional por estar dentro de um elevador fechado é típico da claustrofobia (uma forma restrita de agorafobia), mas diferente do da bilheteira de cinema que não conseguia ficar dentro da cabine com a porta fechada, o que estava criando problemas com o gerente. Essa evitava qualquer tipo de lugar fechado. Não entrava em elevadores, nem utilizava o metrô com pavor de que parasse nos túneis e ela não conseguisse escapar.

 

Drauzio – Às vezes, parece que esses imprevistos acontecem mais quando pessoas com medo estão por perto…

Tito P. de Barros – É a lei de Murphy. Essas pessoas superestimam a possibilidade da ocorrência de um evento negativo, por uma distorção de pensamento que chamamos de distorção cognitiva. Elas evitam, por exemplo, pegar o metrô porque, na cabeça delas, certamente ele vai parar dentro do túnel, o que será um desastre em suas vidas.

 

CAUSAS

 

Drauzio – Qual a fisiopatologia desse tipo de distúrbio, uma vez que sentir medo é absolutamente normal e foi essencial para a sobrevivência de nossa espécie?

Tito P. de Barros – Provavelmente, existe vulnerabilidade biológica ou genética para alguns transtornos. No entanto, não existem estudos conclusivos sobre transtornos como a agorafobia e a fobia social.

Uma das teorias é que condicionamento aversivo ou experiência desagradável possam detonar o processo. Um exemplo é o da pessoa que estava num elevador lotado quando ele enguiçou. Até aí nada demais, se ela não tivesse se sentido mal e vomitado. A partir dessa experiência desagradável, ela deixou de entrar em elevadores temendo que algo parecido lhe acontecesse de novo.

A outra teoria é a educação. Pais superprotetores criam filhos chamando muito sua atenção para os perigos da vida. Por isso, a pessoa pode desenvolver fobia de avião, mesmo sem ter tido qualquer experiência aversiva, nem sequer entrado num avião, se crescer num ambiente em que o tempo todo a família conversa sobre desastres aéreos e o número de mortes.

 

FOBIAS ESPECÍFICAS

 

Drauzio – Barata é um inseto pelo qual a pessoas sentem aversão. Mulheres, especialmente, costumam ter medo de baratas. Algumas têm pavor e são capazes de atos arriscados para escapar de um ambiente onde haja uma barata. Qual a diferença entre uma reação aceitável diante de um estímulo aversivo e uma reação exagerada?

Tito p. de Barros – No caso da fobia de baratas, o interessante é que incide mais nas mulheres do que nos homens, na proporção de 8, 9 mulheres para cada homem. Há até um livro do Henfil, chamado ”Diário de uma Cucaracha“ em que existe a ilustração de uma barata no canto inferior direito da capa. Esse mesmo livro tem uma edição especial para mulheres, com uma tarja branca sobre a ilustração.

De certa forma, a aversão a baratas está cercada de certos comportamentos histriônicos, cômicos até. As pessoas têm nojo, acham o inseto horripilante, gritam, sobem nas cadeiras, saem correndo, mas tal reação nem sempre reflete o medo patológico próprio dos quadros fóbicos. Tive uma paciente com fobia de baratas que trabalhava com os pés em cima do cesto de papéis com medo de que uma barata subisse por suas pernas e revistava os ambientes à procura de orifícios por onde os insetos pudessem passar.

 

Drauzio – Que outros animais costumam provocar esse tipo de reação fóbica?

Tito P. de Barros – Em geral, cachorros, gatos e pássaros. Existem pessoas que evitam andar nas ruas com medo de que pombos esvoacem sobre elas.

 

Drauzio – Um pintinho recém-nascido foge apavorado se uma sombra de asas batendo incidir sobre ele. Não é um comportamento aprendido. O reflexo de fugir de objetos voadores ou de aves predatórias está geneticamente condicionado neles. Existe explicação genética para as sensações provocadas pelas crises de pânico?

Tito P. de Barros – É bem provável que exista na síndrome do pânico. A teoria é que, nesses casos, um falso alarme dispara sem razão e a pessoa reage como se tivesse um problema físico. Como numa bola de neve, os sintomas (aceleração do batimento cardíaco, tremor, respiração ofegante, sudorese, tontura) aumentam o medo e a intensidade da crise e ela se sente à beira de um infarto ou derrame.

O comportamento dos pintinhos faz lembrar que, no reino animal, o olhar do predador fixo sobre a presa é um sinal de perigo. O interessante é que o fóbico social também se sente acuado quando as pessoas olham para ele. Imagina estar sendo observado e avaliado, de preferência negativamente, o que aumenta o grau de ansiedade.

 

Veja também: Trantorno da ansiedade generalizada (TAG)

 

PREVALÊNCIA

 

Drauzio – Segundo a psiquiatria clássica, as mulheres têm mais depressão, mais distúrbios de ansiedade e mais distúrbios alimentares. Os homens, mais reações agressivas e maior abuso de drogas. Mulheres são mais suscetíveis aos ataques de pânico do que os homens?

Tito P. de Barros – Não sei se os ataques de pânico são mais prevalentes nas mulheres, ou se elas são mais sinceras para admitir as crises. Estudos indicam, porém, que depressão, pânico, ansiedade e fobia social são distúrbios que acometem mais o sexo feminino. Tenho algumas dúvidas a respeito desses achados, porque envolvem aspectos culturais que acabam interferindo na vida prática: homem não chora, não sente medo, não entra em pânico. Talvez, um estudo que aplique metodologia diferente não revele os mesmos valores.

 

Drauzio – São mais comuns as claustrofobias ou as fobias sociais que se manifestam em ambientes abertos?

Tito P. de Barros – Os resultados dos estudos variam muito, mas pode-se dizer que os quadros de fobia social e de agorafobia são mais prevalentes do que os de pânico, e que as fobias específicas (de animal, de altura, de lugares fechados) são muito comuns.

 

Drauzio – É possível definir a história natural da evolução das fobias quando não tratadas?

Tito P. de Barros – Em alguns casos, podem ocorrer períodos de melhora, mas em muitos deles a evolução é crônica, sem períodos de remissão, e o quadro pode agravar-se com o uso de substâncias químicas como o álcool e os tranquilizantes (benzodiazepínicos).

 

Drauzio – O abuso de drogas é frequente nos portadores de fobias?

Tito P. de Barros – Não é frequente, mas pode acontecer. Às vezes, os fóbicos conseguem a receita para comprar tranquilizantes com médicos conhecidos e vão tomando por conta própria até tornarem-se dependentes dessas substâncias que são contra-indicadas para o tratamento desses transtornos.

 

Veja também: Transtorno do pânico

 

TRATAMENTO

 

Drauzio – Como deve ser conduzido o tratamento das fobias?

Tito P. de Barros – O tratamento das fobias em geral e das fobias específicas baseia-se numa técnica chamada de auto-exposição ao estímulo fóbico e consiste no enfrentamento gradual das situações que provocam medo. Para tanto, é construída uma lista hierárquica de situações. À medida que vai enfrentando o medo, a pessoa atribui uma nota entre zero e dez para nível de ansiedade e só passará para outro degrau da hierarquia, quando não houver mais nenhum desconforto diante daquele estímulo.

Vamos dar o exemplo da pessoa que não consegue sair de casa. O primeiro desafio proposto é chegar ao portão e ficar por alguns minutos na frente do prédio onde mora. Depois, deverá ir até a esquina, dar uma volta no quarteirão, ir à padaria e à banca de jornais que ficam a quatro quadras da residência e assim sucessivamente de forma a ampliar seu raio de ação.

 

Drauzio – Ela consegue fazer isso sozinha e sem medicação?

Tito P. de Barros – Consegue, se a hierarquia for bem construída e começar pelos níveis menores de ansiedade. A chance de sucesso desse tipo de tratamento gira em torno de 80%.

No que se refere à medicação, alguns antidepressivos são indicados para controlar os ataques de pânico, mas esses remédios não funcionam nos casos de esquiva fóbica. A pessoa precisa enfrentar as situações que provocam medo. Se tiver dificuldade de fazê-lo ao vivo, recorre-se a uma técnica chamada dessensibilização sistemática ou exposição à imaginação.

 

Drauzio – Como se aplica esse tipo de técnica?

Tito P. de Barros – A pessoa começa fazendo relaxamento. Depois, imagina uma série de cenas ou situações ligadas ao estímulo fóbico. Essa exposição no campo da imaginação ajuda-a a baixar o nível de ansiedade de tal forma que, quando tiver de enfrentar a situação ao vivo, ele estará bem mais tolerável.

Tive a oportunidade de tratar uma paciente com fobia de cachorro usando essa técnica. Ela não conseguia sequer aproximar-se de um filhote. Então, durante várias sessões, depois do relaxamento, passou a imaginar cenas em que apareciam cães e, mais tarde, foi capaz de entrar em contato direto com esses animais.

 

Drauzio – No caso da moça que trabalhava com os pés elevados por medo de que uma barata subisse neles, como você conduziria o tratamento aplicando a técnica de dessensibilização sistemática?

Tito P. de Barros – Começaria com a palavra barata que ela não conseguia pronunciar sem sentir ansiedade. Por isso, referia-se ao animal como aquele inseto. Depois a faria olhar para o desenho de uma barata e para uma foto. A seguir, mostraria uma barata de plástico – algumas são simulacros perfeitos do inseto – e a daria para colocar na bolsa e levar para casa. Assim, vencendo etapas intermediarias da hierarquia, a moça iria se dessensibilizando até ter coragem de entrar em contato com baratas de verdade.

 

Drauzio – Algumas crianças têm pavor do escuro. Como você orienta esses casos?

Tito P. de Barros — Não tenho experiência com crianças, mas o procedimento de dessensibilização é o mesmo do indicado para os adultos. O ideal seria trabalhar com diferentes graus de intensidade de luz que ajudariam a aliviar o medo da escuridão total. Para tanto existem lâmpadas com reostastos que permitem regular a intensidade da luz, níveis diferentes de abertura de porta que dão para um corredor iluminado ou bonecos vaga-lumes que emitem luz própria.

 

Drauzio – Como agir com as crianças com medo do escuro que não conseguem dormir se não tiverem um adulto ao lado?

Tito P. de Barros – Os pais devem aguardar que a criança com medo adormeça, mas o tempo que ficam a seu lado deve ir diminuindo gradativamente e precisam incentivar a criança a dormir sozinha. Tudo feito de forma muito gradual, sem pular etapas.

 

Drauzio – Crianças com medo do escuro têm tendência a manifestar distúrbios de ansiedade como a síndrome do pânico mais tarde na vida?

Tito P.de Barros – Com medo do escuro, não. Mas existe uma síndrome de ansiedade de separação que se manifesta na infância e que está relacionada com a síndrome do pânico. Parece que criança com dificuldade para afastar-se dos pais e de adaptar-se na escola tem predisposição para desenvolver pânico. No entanto, tal comportamento pode ser reflexo de uma característica de personalidade própria das pessoas dependentes que precisam sempre de alguém para apoiar-se, para pedir opinião, para decidir o que fazer. Essas têm maior tendência ao pânico.

 

PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL

 

Magali Alves Ribeiro – São José dos Campos/SP – Se as fobias levam as pessoas a desenvolver pânico, não seria melhor tratar logo esse transtorno?

Tito P. de Barros – Para responder essa pergunta é preciso estabelecer uma distinção conceitual. No transtorno de pânico, a pessoa pode ter ataques espontâneos. Em casa, dormindo, sem nada que justifique, pode ser tomada por uma onda de pavor tão grande que sente falta de ar e o coração dispara. Os sintomas são tão terríveis que ela passa o tempo todo ansiosa, temendo a próxima crise. É a chamada ansiedade antecipatória ou ansiedade de antecipação.

Nas fobias, o ataque de pânico é situacional, isto é, só um objeto determinado tem a capacidade de desencadeá-lo. Ao contrário dos transtornos de pânico em que pode não haver objeto fóbico, nas fobias específicas ele é muito claro. Por isso, o tratamento indicado é a dessensibilização.

 

Gisele Campana Fontino – Curitiba/PR – O que pode levar uma pessoa a desenvolver agorafobia?

Tito P. de Barros – Não se sabe ao certo o que leva uma pessoa a apresentar esse transtorno. Acredita-se que condicionamentos patológicos possam ser provocados por experiência aversiva, pelo ambiente em que a criança é criada e pela observação do modo de agir dos pais ou de outros adultos com os quais conviva. Por exemplo, se ela vê a mãe ficar apavorada diante de uma barata, infere que aquele inseto é perigoso. Ou se observa que a mãe treme inteira com medo da chuva e dos trovões, pode achar que essa situação é realmente ameaçadora e o quadro de fobia irá instalar-se por via da modelação ou da aprendizagem vicariante.

 

Marli Ladeira Teixeira – São Bernardo do Campo/SP – Existe cura definitiva para a agorafobia, ou as recaídas são inevitáveis?

Tito P. de Barros – Em medicina, só se fala em cura quando a causa da doença é bem definida. Se a pessoa com pneumonia causada por uma bactéria tomar antibiótico, a infecção será debelada. Nesse caso, pode-se falar em cura. Já nos transtornos crônicos em que a causa não é conhecida, podemos falar em tratamento e controle dos sintomas por meio de medicamentos e aplicação de técnicas de terapia comportamental, mas não em cura.

Site

www.aporta.org.br

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