Evolução da DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) | Entrevista

O comprometimento do fluxo livre do ar, principalmente durante a expiração, indica a presença de uma obstrução que caracteriza as doenças obstrutivas crônicas.

Carlos Carvalho é pneumologista e chefe da UTI Respiratória do Incor (Instituto do Coração) de São Paulo. postou em Entrevistas

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Publicado em: 18 de outubro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Conheça o quadro de evolução da DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e como é o tratamento dependendo do grau de acometimento.

 

DPOC, ou doença pulmonar obstrutiva crônica, é uma enfermidade responsável por muitos casos de dificuldade respiratória nas pessoas acima dos 55 anos. Para entender melhor a etiologia dessa doença, é preciso lembrar que fazem parte do sistema respiratório várias estruturas, entre elas a traqueia, um tubo cartilaginoso constituído por anéis que não são completamente circulares.

A traqueia começa no pescoço, depois da laringe, desce pelo tórax e, num ponto chamado Carina, divide-se em dois ramos que vão formar os brônquios. Estes, por sua vez, subdividem-se em ramificações cada vez mais finas até alcançarem os alvéolos, uma estrutura parecida com um saquinho que se expande com a chegada do ar inspirado e onde se realiza a troca gasosa (oxigênio por gás carbônico). Para dar continuidade ao processo da respiração, os alvéolos se contraem e o ar carregado de gás carbônico retorna pelo caminho que entrou até ser eliminado pelo nariz.

 

Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre DPOC

 

Muita gente pensa que o órgão do corpo humano com maior superfície é a pele. Não é verdade. Uma pessoa de 60 kg e 1,60 m de altura tem 1,60 metro quadrado de pele. Já seu pulmão, se fosse distendido, daria para cobrir uma quadra de tênis. Essa grande superfície permite que ele seja agredido durante anos sem praticamente dar sinais.

 

FISIOLOGIA DO PULMÃO

 

Drauzio – Qual é a superfície do pulmão?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – A superfície do pulmão varia entre 80 e 100 metros quadrados. Se esticássemos todos os alvéolos e colocássemos um ao lado do outro, teríamos uma medida de superfície semelhante à da quadra de tênis.

 

Drauzio – Oitenta a cem metros quadrados de superfície respiratória indicam que a natureza selecionou uma área de contato muito grande para as trocas gasosas.

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – O tamanho da superfície pulmonar resulta de um longo processo de adaptação. Quando os animais saíram da água de onde retiravam o oxigênio para a respiração das células e foram para o ambiente aéreo, passaram a precisar de quantidade maior de oxigênio para manter o corpo aquecido. Para tanto, foi sendo selecionada uma estrutura com menor volume, mas que esticada teria uma superfície enorme para realizar as trocas gasosas.

 

Drauzio Os alvéolos são elásticos como os balões de festa. O que lhes garante essa elasticidade?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Na realidade, durante o processo de desenvolvimento do pulmão, o grande desafio foi manter a estrutura estável. Veja o que acontece com os peixes. Para eles, a natureza selecionou uma superfície grande, as guelras, constituída por lâminas, que em contato com a água, permitem obter o oxigênio necessário. No entanto, quando se retira o peixe da água, as guelras colapsam uma sobre as outras e sobra apenas a superfície externa. 

Com os alvéolos é diferente. Imagine uma rede de vôlei ou de tênis, em que um gomo fica ao lado do outro, com uma única parede separando os dois. Do mesmo modo que, se tentarmos fechar um dos gomos, os outros se esticam e voltam a puxar o primeiro para a posição normal tão logo a pressão desapareça, o alvéolo também permanece estável, uma vez que a parede que os separa é constituída por fibras elásticas e de colágeno. Além disso, para diminuir a tensão superficial e manter o alvéolo estável, o organismo selecionou uma substância surfactante, uma mistura de proteínas e gorduras. Por isso, ele insufla durante a inspiração e na expiração, quando diminui de volume, não colaba, promovendo, assim, a entrada de oxigênio e a constante saída de gás carbônico.

 

CARACTERÍSTICAS DA DPOC

 

Drauzio – O que a doença pulmonar obstrutiva crônica?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Em condições normais, o pulmão acomoda certo volume de ar. O volume máximo que a pessoa consegue manipular com esforço, ou seja, a quantidade maior de ar com que consegue encher os pulmões e esvaziá-los em seguida, chama-se capacidade vital. O comprometimento do fluxo livre do ar, principalmente durante a expiração, indica a presença de uma obstrução que caracteriza as doenças obstrutivas crônicas.

 

Drauzio – Essa obstrução pode ocorrer tanto na entrada quanto na saída do ar?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Caracteristicamente, as medidas para dimensionar a capacidade vital são tiradas na fase expiratória, porque a entrada do ar pressupõe um movimento ativo do organismo: o diafragma se contrai, os brônquios se alargam, o sistema respiratório todo se expande e a resistência diminui. Já a expiração é um processo passivo. Quando o diafragma relaxa, comprime os alvéolos, os brônquios diminuem de calibre e a resistência aumenta. Portanto, as doenças obstrutivas são mais críticas na expiração do que na inspiração.

 

Drauzio – Quais as principais causas para a dificuldade de eliminar o ar retido nos pulmões?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Nas DPOCs, os mecanismos que causam a obstrução dos pulmões são basicamente dois: os bronquíticos, ou seja, a inflamação dos brônquios e os enfisematosos.

Nos processos bronquíticos, existe um edema de parede dos brônquios provocado por irritação crônica. Como o tônus dos brônquios é mantido por certa atividade da musculatura que existe a seu redor e, nessas doenças, a atividade está aumentada, a tendência é ocorrer broncoespasmo e produção maior de muco e secreções, que permanecem dentro das vias aéreas e ajudam a causar o entupimento.

Nos enfisematosos, quando a lesão chega aos alvéolos, os septos que os separam se rompem e deixam de manter os brônquios abertos, dificultando o fluxo de ar tanto na inspiração quanto na expiração. Especificamente na expiração, os bronquíolos terminais colabam, porque perderam a sustentação e o ar que entrou não consegue sair. Por isso, o enfisematoso acaba desenvolvendo um tórax insuflado, em forma de barril.

 

Drauzio – Isso quer dizer que podem ocorrer dois problemas. Ou os brônquios se fecham e dificultam a saída de ar, ou estão normais e os alvéolos perdem a elasticidade. As duas situações levam à obstrução das vias aéreas. Nos portadores de asma, o fechamento dos brônquios é uma característica clássica. Ela também poderia ser considerada uma DPOC?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Na asma, o mecanismo de espasmo, de constrição da musculatura brônquica, é o mais intenso de todos. Por isso, no passado, a asma estava incluída no conjunto das doenças obstrutivas. Atualmente, como os mecanismos da doença foram entendidos melhor, sabe-se que existe uma reação inflamatória que ocorrem surtos. Nos períodos de crise, os brônquios estão mais fechados, mas voltam ao normal se o indivíduo estiver bem medicado e não se expuser aos agentes irritantes, o que permite aos portadores da doença viver normalmente. Portanto, como a asma não provoca obstrução permanente, compõe uma classificação distinta das doenças obstrutivas crônicas.

 

CAUSA PREDOMINANTE

 

Drauzio — Uma das causas mais frequentes de DPOC é o fumo. Como o cigarro provoca esse tipo de problema?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Sem dúvida nenhuma, o tabagismo é a condição mais importante associada ao desenvolvimento da obstrução pulmonar. Considerando-se o universo dos fumantes, sabe-se que todos eles vão manifestar alguma reação provocada pelos milhares de substâncias agressivas contidas no tabaco e que cerca de 15% a 20% desenvolverão algum grau de DPOC. Alguns desenvolvem enfisema, uma lesão nos alvéolos, que perdem sua elasticidade. Outros desenvolvem uma lesão bronquítica que afeta os canalículos das vias respiratórias.

Ninguém sabe explicar, porém, por que indivíduos da mesma espécie, teoricamente semelhantes, expondo-se ao mesmo tipo de agentes irritantes, vão desenvolver doenças com a mesma característica funcional, que é a obstrução, mas anatomicamente bastante diferentes. No enfisema, a lesão ocorre nas unidades terminais dos pulmões, os alvéolos. Na bronquite crônica, ocorre no conduto que deveria levar o ar aos alvéolos. Provavelmente, características genéticas justificam essa forma diferente de manifestação da doença em cada indivíduo. Outro aspecto importante é que, para manter a estrutura das fibras elásticas e das fibras colágenas, existe um sistema de enzimas chamadas elastases e antielastases que degradam proteínas para dar espaço à formação de proteínas novas que mantém a elasticidade dos alvéolos. A fumaça do cigarro inativa uma das substâncias que controlam a produção dessas enzimas, o que lesa as fibras elásticas e provoca a progressiva destruição dos alvéolos.

 

EVOLUÇÃO E DIAGNÓSTICO

 

Drauzio  O quadro de DPOC tem evolução progressiva. Como se identifica a doença e quais suas consequências?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – O quadro clássico de DPOC que acomete 80%, 90% dos pacientes com bronquite crônica manifesta-se principalmente por tosse e expectoração. É a história do fumante que acorda com um pigarrinho de manhã, tosse um pouco e elimina quantidade pequena de muco e catarro. No entanto, a produção dessas secreções vai aumentando progressivamente e os sintomas se agravam.

Quando predomina a desestruturação do alvéolo, típica do enfisema pulmonar, a pessoa se queixa de falta de ar progressiva e de cansaço, quando se submete a esforços. Os relatos são todos semelhantes: “Antes eu jogava dois sets de tênis. Depois passei a jogar um set e já ficava cansado. Por isso, deixei de jogar tênis e comecei a caminhar durante 30 minutos. Agora, me falta fôlego para dar duas voltas no quarteirão de casa”. A limitação que a doença impõe é progressiva e, nas fases mais avançadas, o paciente não consegue levantar da poltrona e caminhar até a mesa de refeições sem ficar ofegante.

 

Drauzio – Com que velocidade a doença progride desde os primeiros sintomas até a fase limitante?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Isso depende da sensibilidade de cada um. Indivíduos com história familiar da doença têm evolução mais rápida. Normalmente, esses pacientes perdem, em média, de 60 ml a 100 ml da capacidade pulmonar durante um ano. É um índice elevado, em especial se considerarmos que, nos indivíduos sadios, a perda é de 20 ml a 30 ml ao longo da vida.

Em geral, a doença começa a manifestar-se depois dos 55 anos. Se a pessoa começou a fumar aos 15, 20 anos, depois de 35, 40 anos, vai ter de pagar a conta por ter fumado tanto tempo. Infelizmente, o cigarro não causa um mal perceptível nas primeiras tragadas; vai degenerando o pulmão devagarinho. Se fumar três maços por dia, então, o tempo de evolução da doença será mais curto.

Drauzio – Qual é a porcentagem dos casos de DPOC associados ao cigarro?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – Estudos epidemiológicos mostram que, dependendo da região, mas principalmente nas cidades industrializadas, essa porcentagem atinge 90%, 95%. Trabalhos realizados na Colômbia apontam um dado interessante. Na zona rural, 20% das mulheres que cozinhavam em fogão a lenha em ambientes fechados, mostraram-se suscetíveis ao desenvolvimento de enfisema pulmonar.

Drauzio – Qual é o peso da poluição ambiental das grandes cidades no aparecimento da DPOC?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – A poluição é um fator adjuvante, difícil de ser avaliado isoladamente. O envelhecimento normal do pulmão provoca, de certo modo, um tipo de enfisema, porque ao longo da vida os alvéolos perdem um pouco da elasticidade. Provavelmente, a poluição acelera esse processo, mas é difícil dizer em que medida. No outono e no inverno, o ar seco favorece a concentração de poluentes e os episódios de complicações respiratórias são mais frequentes. Portanto, nesse período do ano, a degeneração deve ser mais rápida. De qualquer modo, estudos experimentais em animais deixam claro que a degeneração pulmonar aumenta com os poluentes.

 

Drauzio  Já que não podemos recuperar a parte do pulmão que foi destruída, como se pode ajudar o paciente que não aguenta subir um lance de escadas?

Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho – É importante caracterizar a doença começando pelo levantamento do histórico do paciente. Se for portador de doença bronquítica, é possível intervir para controlar a inflamação. Já se a doença atingiu os alvéolos e provocou sua desestruturação, a lesão é definitiva e pouco se pode oferecer do ponto de vista farmacológico ou medicamentoso.

Há exames, como o de capacidade pulmonar e a tomografia computadorizada de alta resolução, que dão informações detalhadas dos alvéolos, dos bronquíolos e da região dos brônquios. Outro exame, a espirometria, com e sem o uso de broncodilatador, permite observar a responsividade do paciente. Se a reação for positiva, são indicados anti-inflamatórios e broncodilatadores e, quando necessário, antibióticos. Atualmente, existem medicamentos por via inalatória que ajudam muito a controlar a dispneia e diminuem a incidência de efeitos colaterais.

As doses podem ser medidas em microgramas, porque o remédio atua diretamente no pulmão. Antes, tinha de ser indicado um comprimido por via oral com miligramas da substância ativa que seria distribuída em todo o corpo e só parte dela alcançava os pulmões.

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