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Que bagunça | Artigo

enfermeiro aplicando vacina em braço de jovem na campanha de vacinação contra o coronavírus
Publicado em 17/02/2021
Revisado em 27/01/2022

Falta coordenação centralizada com regras válidas para o país inteiro na campanha de vacinação contra o coronavírus. 

 

Olhe a bagunça que virou a vacinação contra o coronavírus.

Reconhecido como um dos maiores programas do mundo, ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) caberia coordenar a distribuição das vacinas e estabelecer regras rígidas para definir as localidades e os grupos que deveriam receber as primeiras doses disponíveis.

Veja também: Por uma campanha de vacinação gratuita

Não faltaria conhecimento a um programa com mais de 45 anos de idade, que foi capaz de eliminar a varíola e a poliomielite do país, de vacinar 18 milhões de crianças contra a poliomielite num só dia, 100 milhões de pessoas contra a H1N1 em três meses, em 2010, e 80 milhões contra a influenza, em 2020.

Agora, sem autonomia para coordenar a estratégia de vacinação, o programa houve por bem pulverizar pelo país as poucas vacinas existentes, como se a epidemia ameaçasse todos os municípios com igual virulência. Ao lado desse equívoco, facultou a estados e municípios a adoção dos critérios para estabelecer prioridades, de acordo com as realidades locais.

A falta de uma coordenação centralizada com regras válidas para o país inteiro gerou essa confusão de grupos e de pessoas que subvertem a ordem prioritária e confundem a população, incapaz de entender por que, em cada cidade, a vacinação chega para uns e não para outros.

Com a presente escassez, não será fácil organizar a distribuição de preparações fabricadas por empresas diferentes, para chegar de forma ordeira nas 38 mil salas de vacinação espalhadas pelo país.

Profissionais formados em psicologia, biologia, veterinária, educação física, além de trabalhadores da área da saúde, que sequer chegam perto dos doentes com covid, são vacinados antes das mulheres e homens com mais de 80 anos. Enquanto nos entretemos com as imagens dos telejornais que mostram senhoras e senhores de 90 anos, infantilizados pelo repórter que lhes pergunta se estão felizes com a vacina, passa a boiada dos mais jovens que furam a fila.

Tem cabimento vacinar veterinários, terapeutas, personal trainers, escriturários de hospitais, antes dos mais velhos que representam mais de 70% dos mortos? É justo proteger essa gente antes dos professores, dos policiais e de outras categorias mais expostas ao vírus?

A distribuição pulverizada das vacinas sem levar em conta a prevalência do coronavírus, as condições do sistema de saúde da localidade e as vagas disponíveis nos hospitais, é demonstração inequívoca de incompetência.

Veja os exemplos do Amazonas e de Roraima, caríssima leitora: hospitais lotados, filas de doentes sentados à espera de um leito, UTIs sem vagas, pacientes transferidos para cidades a milhares de quilômetros, uma linhagem mutante do vírus bem mais contagiosa que se espalha pelo país.

Em Manaus, se somarmos aos manauaras com mais de 60 anos, aqueles com comorbidades, teremos cerca de 200 mil pessoas. No estado do Amazonas, haveria 400 mil. Não seria mais lógico, neste momento, enviarmos para lá 800 mil doses de vacina, na tentativa de pôr ordem no caos e de conter a disseminação da linhagem mais perigosa? É preciso pós-doutorado em Oxford para ter uma ideia dessas?

A imunização contra o coronavírus impõe pelo menos três grandes desafios.

O primeiro é que nunca iniciamos uma campanha sem ter doses suficientes, situação a que chegamos pelas dificuldades de produção de vacinas disputadas pelo mundo inteiro e pela desídia de um governo negacionista, que não se interessou em adquiri-las, quando ainda havia disponibilidade.

O segundo é a necessidade de administrar duas doses da mesma vacina, com intervalo de algumas semanas: recebeu a primeira dose da Fiocruz/AstraZeneca, a segunda não pode ser a do Butantan/Sinovac, e vice-versa. Com a presente escassez, não será fácil organizar a distribuição de preparações fabricadas por empresas diferentes, para chegar de forma ordeira nas 38 mil salas de vacinação espalhadas pelo país.

O terceiro, talvez o mais grave, foi a substituição de especialistas competentes como a doutora Carla Domingues, que dirigiu o programa nacional de 2011 a 2019, por gente nomeada por afinidades corporativas e ideológicas. O atual ministro da Saúde e as chefias de coordenação que retiraram das mãos do PNI o poder de decisão, têm algo em comum com você e comigo, prezado leitor: a falta absoluta de experiência com imunizações em massa.

Que azar. Quando o Brasil mais precisava de técnicos treinados para executar a difícil tarefa de vacinar seus habitantes, única forma de reduzir a mortalidade e dar alento à economia, caímos nas mãos de um Ministério da Saúde fragilizado, dirigido por amadores.

 

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