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Quando pareciam sob controle, houve aumento da mortalidade infantil em 20 estados brasileiros. Mortalidade materna cresceu. Veja artigo do dr. Drauzio.

Mãe segurando bebê para tomar vacina contra sarampo. Houve aumento da mortalidade infantil e materna

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Publicado em: 30 de agosto de 2018

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Pela primeira vez em 26 anos, houve aumento da mortalidade infantil em 20 estados brasileiros. Mortalidade materna também cresceu.

 

Depois de tantos anos de esforço para reduzir a mortalidade materno-infantil e organizar o maior programa de vacinações gratuitas do mundo, estamos ladeira abaixo.

Pela primeira vez em 26 anos, a mortalidade infantil cresceu no ano de 2016 e, provavelmente, terá aumentado outra vez em 2017 (dados ainda indisponíveis).

A taxa de mortalidade infantil é calculada pelo número de mortes até 1 ano de idade em cada mil nascidos vivos. Representa uma medida indireta do desenvolvimento de um país. Japão, Suécia, Noruega, Cingapura e Finlândia têm taxas abaixo de 3. Em Serra Leoa, Guiné Bissau, Somália e Afeganistão, elas são maiores do que 100.

No Brasil de 1960, em cada mil nascimentos, morriam no primeiro ano de vida 124 bebês. Em 2016, a taxa foi de 14, número 5% mais alto do que o do ano anterior. O aumento da mortalidade foi documentado em 20 estados.

 

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Os dados parciais mostram que, em 2017, os números não serão melhores. Por exemplo, a taxa de desnutrição crônica nas crianças de até 5 anos foi de 13,1% contra 12,5% em 2015.

A desnutrição crônica deixa cicatrizes em diversos mecanismos biológicos ligados ao desenvolvimento. A sequela mais temível ocorre na formação de conexões entre os neurônios cerebrais, causando deficiências arquiteturais capazes de causar rebaixamento do QI.

Depois de ouvir vários especialistas, as jornalistas Claudia Collucci e Marina Merlo atribuíram a piora do índice ao desemprego, à queda da renda familiar, à epidemia de zika e ao corte de verbas na Saúde.

Para piorar, em 2016, houve aumento da mortalidade materna, índice que considera qualquer morte durante a gravidez, parto ou até 42 dias depois dele, desde que decorrente de causa relacionada ou agravada pela gestação.

A taxa de mortalidade materna (número de mortes para cada 100 mil nascidos vivos) já vinha mal: aumentou em 2013, caiu em 2015, para voltar a subir em 2016.

Enquanto nos países nórdicos, Itália e Japão as taxas não ultrapassam 4 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos, no Norte do Brasil atingem 84, no Nordeste 78, no Sudeste 55 e no Sul 44.

Aumento da mortalidade materna, infantil e diminuição da adesão ao programa de vacinações são reflexos da nossa dificuldade crônica para organizar a atenção primária e financiar o SUS de modo razoável.

Esses números são vergonhosos, porque estamos falando de mortes evitáveis em mais de 90% dos casos: hipertensão arterial, sangramentos uterinos, infecções e abortos provocados.

Não podemos esquecer que, em 21% dos partos realizados pelo SUS, a mãe tem de 11 a 20 anos, faixa etária em que aumenta a incidência de gestações de risco.

Até o programa de imunizações brasileiro mostra piora dos índices nos últimos anos.

Embora as razões sejam múltiplas – descaso, ignorância, falta de motivação provocada pela queda na incidência das doenças que a vacinação previne – o desemprego e o empobrecimento geral da população, nos últimos anos, contribuem para afastar as famílias dos serviços de saúde.

Aumento da mortalidade materna, infantil e diminuição da adesão ao programa de vacinações são reflexos da nossa dificuldade crônica para organizar a atenção primária e financiar o SUS de modo razoável. Uma crise econômica grave como a atual torna esse quadro mais assustador.

 

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