Leishmaniose nas cidades | Artigo

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Publicado em: 27 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Doença transmitida pelo mosquito-palha é causada por um protozoário. Conheça as características dessa enfermidade neste artigo sobre leishmaniose visceral.

 

Há doenças que vêm, vão embora, e, quando menos se espera, voltam com tudo.

É o caso da leishmaniose visceral, enfermidade que provoca febre intermitente com semanas de duração, fraqueza, perda de apetite, emagrecimento, anemia, aumento do baço e do fígado e comprometimento da medula óssea.

É transmitida pelo mosquito-palha ou birigui (Lutzomyia longipalpis), que ao picar introduz na circulação do hospedeiro um protozoário descrito pela primeira vez por Evandro Chagas na década de 1930, a Leishmania chagasi.

Na época do internato no Hospital das Clínicas, acompanhei alguns casos em pacientes invariavelmente oriundos de áreas rurais.

Um deles chamava-se Eisenhower Getúlio da Silva. Tinha dez anos que pareciam seis, magrinho, desnutrido, com um baço que fazia saliência no lado esquerdo do abdômen. Ficou internado tanto tempo que virou mascote da enfermaria.

Uma tarde, quando já estava fora de perigo, desapareceu. Procuraram pelo hospital inteiro; até o Juizado de Menores foi chamado. No auge do rebuliço, Eisenhower apareceu chupando um sorvete, ao lado de um médico-interno que o havia levado para passear no zoológico, sem avisar ninguém.

 

Veja também: Dr. Drauzio comenta o retorno da leishmaniose visceral no Brasil

 

Naquela época, leishmaniose visceral era considerada uma parasitose em extinção. Nos últimos 30 anos, para nossa surpresa, ela não apenas retornou, mas invadiu até cidades maiores. De início no Nordeste, depois no Norte, Centro-Oeste e Sudeste; poupou apenas o sul do país. Nos últimos 15 anos, já se espalhou por 20 estados brasileiros, causando mais de 50 mil casos, e quase 2 mil mortes.

E, pior, “bate às portas das cidades de médio e grande porte. Pode chegar a metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo”, explica Ricardo Zorzetto em excelente artigo publicado na revista “Pesquisa”, da Fapesp, que tomamos a liberdade de resumir na coluna de hoje.

Entrevistado por ele, o sanitarista Carlos Henrique Nery da Costa, da Universidade Federal do Piauí, que estuda a transmissão da leishmaniose em centros urbanos há 20 anos e acompanhou as epidemias ocorridas em Teresina nas décadas de 1980 e de 1990 (mais de mil pessoas acometidas em cada uma), afirmou: “Nos próximos cinco anos pode haver uma epidemia na cidade de São Paulo”.

Enquanto a leishmaniose atacava Teresina, surgiam casos em São Luís do Maranhão e Santarém, no Pará. Na segunda metade dos anos 1990, a epidemia chegou a Corumbá, Campo Grande e à divisa do estado de São Paulo.

Da fronteira, seguindo o curso do rio Tietê, ela avança cerca de 30 quilômetros por ano em direção à capital. Em dez anos, o Centro de Vigilância Epidemiológica registrou mais de 1.200 casos no estado, e mais de 100 mortes.

O mosquito-palha nunca foi detectado num município da Grande São Paulo. Em 2002, entretanto, em Cotia e no Embu, surgiram casos de leishmaniose cutânea, forma mais branda causadora de feridas na pele, transmitida por outras espécies de Lutzomyia.

Com a destruição das florestas, o inseto transmissor da leishmaniose visceral acabou por adaptar-se à vida nos centros urbanos. Em Belo Horizonte, por exemplo, invadiu a periferia da cidade; em Bauru, também.

Alguns sanitaristas desconfiam que a disseminação possa ser facilitada pelo plantio de árvores ornamentais nas ruas e parques. As acácias, de flores amarelas, em cachos, são as principais suspeitas: haviam sido plantadas em Teresina na época da primeira epidemia; no Sudão, na década de 1980, entre as 100 mil pessoas que morreram de leishmaniose visceral, a maioria morava em áreas com muitas acácias. O mosquito-palha teria predileção pelo néctar dessas flores.

Nas cidades, a transmissão se torna potencialmente perigosa por causa do grande número de cachorros, que adquirem a infecção e desenvolvem um quadro clínico semelhante ao do homem. Em alguns municípios paulistas, a prevalência da leishmaniose entre cães chega a 20%.

Como o Ministério da Saúde proibiu tratar cães com medicamentos usados em medicina humana (porque os cães melhoram, mas continuam a transmitir o germe), a única alternativa é sacrificar os animais infectados. Essa medida, no entanto, não conta com a simpatia dos donos nem dos defensores dos direitos dos animais.

Os médicos precisam estar atentos aos sintomas da leishmaniose visceral, doença que conhecemos mal por julgá-la a caminho da extinção. Sem diagnóstico precoce, a mortalidade pode chegar a 10%.

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