As aglomerações e o uso incorreto de máscara ajudam a prorrogar a pandemia de covid-19.
Você quer sair, encontrar os amigos, jantar fora, beber no bar, viajar para Minas. A rotina de ir para o escritório, que amofinava seus dias, agora é um sonho, José.
Nós sabíamos que seria difícil manter o afastamento social por muito tempo. Com 15 milhões de pessoas aglomeradas em moradias precárias nas favelas, 46% das quais sem água encanada, como ficar em isolamento?
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Todos concordaram que os serviços essenciais não podiam parar. Mas eles são mantidos por quem? Pelos que trabalham em supermercados, padarias, farmácias e portarias de prédios, pelos entregadores e seguranças e pelos informais encarregados dos pequenos serviços. Era evidente que a mobilidade obrigatória dos menos desfavorecidos levaria o vírus para a periferia das cidades.
O preço pago pelos que vivem nos bairros distantes tem sido desproporcional. A prevalência da infecção pelo vírus na pobreza da zona sul de São Paulo é quase quatro vezes maior do que na zona centro-oeste, de poder aquisitivo mais alto. Em todas as cidades brasileiras, a mortalidade atingiu níveis mais elevados entre os pobres e os pretos, como acontece com as doenças de caráter epidêmico, desde a antiguidade.
Quando vejo os mais jovens da classe média alta aglomerados nos bares e restaurantes, sem máscara, sinto um misto de decepção e de desprezo.
Eles se comportam como se o vírus não existisse, ou como se não fosse problema deles. Bancam os corajosos para impressionar os amigos, ridicularizam os mais cuidadosos, mas, ao surgir a primeira febrícula, correm para os melhores hospitais da cidade, mortos de medo de morrer, sobrecarregando e colocando em risco os profissionais de saúde que cuidarão deles.
Nosso desafio é a adoção de medidas para evitar aglomerações e convencer a população a colocar máscara ao sair de casa. Essa deve ser a ênfase das campanhas de saúde pública e do exemplo que cada um de nós deve dar às crianças, aos que não estudaram e aos ignorantes que frequentaram as melhores escolas.
Isso, quando não levam o vírus para os pais, para as crianças e para as pessoas vulneráveis da família. Daria tudo para saber o que lhes passa pela consciência, quando um ente querido infectado por eles vai parar na UTI.
Quanto à empregada da casa que contraiu o vírus do patrãozinho, o remorso do transmissor é provavelmente nenhum. Ela e os parentes que se arranjem, não é para isso que existe o SUS?
A exposição irresponsável ao vírus é, antes de tudo, um ato de egocentrismo covarde. O temerário se arrisca não por ser destemido e estar disposto a arcar com as consequências de seus atos, mas por acreditar que os mais jovens serão poupados. Se não se preocupa sequer com a própria família, vamos pretender que tenha consideração pela comunidade? Que venha a entender que, assim agindo, participa ativamente da disseminação da epidemia?
Embora alguns médicos ainda acreditem que um antimalárico ou um prosaico vermífugo, administrados nas fases iniciais, curem a covid, a fé é de pouca valia nessa hora. Achar que a vacina nos salvará, assim que disponível, é pensamento mágico. O caminho da imunização em larga escala será longo, penoso e cheio de incertezas. A tal imunidade de rebanho antes da existência de uma ou mais vacinas eficazes não passa de miragem.
A conclusão, José, é a de que conviveremos com esse coronavírus por muitos meses, senão por anos. Não é pessimismo, olhe o que ocorre na Europa, na Ásia e, especialmente nos Estados Unidos, o exemplo máximo de como a cegueira estúpida de um dirigente pode causar uma tragédia de proporções inimagináveis. Ou é por acaso que os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, ostentam o título de campeões mundiais de mortalidade?
Sejamos sensatos, meu amigo, é tarde para chorarmos o leite derramado. De agora em diante, temos que concentrar nossos esforços em reduzir a velocidade de disseminação da epidemia. No decorrer deste ano de 2020, aprendemos que o vírus é transmitido por via respiratória, preferencialmente em lugares fechados, quando as pessoas se aproximam umas das outras. Aprendemos que a higiene das mãos e o uso de máscara são medidas protetoras. Não é pouco, já sabemos o essencial.
Nosso desafio é a adoção de medidas para evitar aglomerações e convencer a população a colocar máscara ao sair de casa. Essa deve ser a ênfase das campanhas de saúde pública e do exemplo que cada um de nós deve dar às crianças, aos que não estudaram e aos ignorantes que frequentaram as melhores escolas.
O uso de máscara é medida simples, protetora, acessível a todas as camadas da sociedade, mas enfrenta o problema da mudança de hábitos, dificuldade maior do comportamento humano.