Síndrome de Rett | Artigo

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Publicado em: 20 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

A síndrome de Rett começa a surgir ao redor de um ano de idade e é bastante perigosa para os meninos.

 

Há estranhos experimentos da natureza; a síndrome de Rett é um deles. A doença se instala ao redor de um ano de idade, mas não é herdada geneticamente; surge como consequência de um defeito descrito por Huda Zoghbi em 1999: uma mutação no gene MECP2, localizado no cromossomo X. Como os meninos têm apenas uma cópia de X (que forma par com Y), desenvolvem uma doença grave que evolui com dificuldade respiratória. Poucos sobrevivem um ano ou dois.

Já as meninas podem viver até 60 ou 70 anos. São mais protegidas, pelo fato de possuir dois cromossomos X: se o gene MECP2 sofrer mutação num deles, a cópia normal presente no outro contrabalançará em parte o desequilíbrio causado.

Elas apresentam desenvolvimento neuromotor e se comportam como as outras crianças até a idade de um ano. Ao redor do primeiro aniversário, os pais percebem que a filha regride: não pronuncia palavras já conhecidas, torna-se introspectiva, desinteressada e perde a habilidade de executar certos movimentos.

Daí em diante, elas se tornam ansiosas, irritadiças e passam a exibir movimentos estereotipados com as mãos. Embora mais tarde possam recuperar parte da capacidade de interagir socialmente, o comprometimento das funções cognitivas e motoras costuma ser grave a ponto de impedir que levem a vida por conta própria.

Trabalhos recentes têm demonstrado que essas mutações não são exclusivas das meninas com síndrome de Rett; podem ocorrer também em casos de autismo, esquizofrenia, epilepsia e de retardo mental.

Esclarecer os mecanismos pelos quais mutações num único gene podem causar tal variedade de distúrbios é fundamental para entender o funcionamento do cérebro.

Todo gene é responsável pela codificação de uma proteína. A proteína codificada pelo gene MECP2 está presente em grandes quantidades nos neurônios. Ela faz parte de um grupo de proteínas conhecidas como “silenciadoras”, por bloquear a função de determinados genes.

Mutações no gene MECP2 provocam anomalias na estrutura da proteína codificada por ele. Alterada, ela não consegue exercer sua função silenciadora sobre um gene muito ativo no sistema nervoso, que é o gene responsável pela codificação de uma proteína conhecida como BDNF, essencial para o ajuste fino na formação de novas sinapses entre os neurônios.

Para ficar claro: a mutação no gene MECP2 leva à produção de uma proteína “silenciadora” defeituosa, incapaz de silenciar no momento adequado o gene que coordena a produção do BDNF, fator encarregado de ajustar a formação de novas sinapses, os espaços através dos quais o fluxo de informações trafega de um neurônio para outro.

Todos dizem que perdemos neurônios ao envelhecermos. É verdade – embora ninguém saiba o que isso significa -, mas nada se compara aos bilhões perdidos ao ensaiarmos os primeiros passos. A nova perspectiva que as imagens do mundo adquirem com o corpo na vertical, obriga nossos neurônios a recriar a arquitetura do sistema de conexões. Nessa fase, os neurônios incapazes de estabelecer novas conexões para adaptar-se à nova realidade, morrem, no melhor estilo de competição e seleção natural, como nos ensinaram Wallace e Darwin.

Nos estágios iniciais da vida, as sinapses seguem o plano arquitetado pela programação genética. É a interação com o meio que faz o ajuste fino das conexões essenciais para o desenvolvimento. Se nessa fase, uma mutação genética faz aparecer uma proteína defeituosa, que não silencia no momento preciso, o gene que produz BNDF, essencial para a formação de novas sinapses, estamos diante de um problema sério.

Não é à toa que os primeiros sinais da síndrome de Rett aparecem ao redor de um ano de idade, época em que nosso cérebro é obrigado a exibir a mais importante de suas habilidades: a plasticidade condicionada pela experiência. Graças a ela somos os únicos animais capazes de viver nas geleiras da Groenlândia e no deserto do Saara, de escrever livros e de compor sinfonias.

Referência: Science 314, 1536 (2006)

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