Diabetes tipo 1 | Artigo

Diabetes tipo 1 pode ocorrer em qualquer faixa de idade, mas é predominante na infância e adolescência, com pico ao redor da puberdade.

A ocorrência de diabetes tipo 1 pode se dar em qualquer faixa etária, mas possui predominância na infância e na adolescência.

Compartilhar

Publicado em: 16 de maio de 2011

Revisado em: 24 de março de 2021

A ocorrência de diabetes tipo 1 pode se dar em qualquer faixa etária, mas possui predominância na infância e na adolescência.

 

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma síndrome que apresenta quadro etiológico e clínico heterogêneos, sendo definido como doença crônica predominantemente autoimune de forte determinante genético e longo período prodrômico. A fase subclínica da doença caracteriza-se pela invasão linfocitária específica das células ß das ilhotas de Langerhans — insulite linfocitária autoimune e produção de autoanticorpos contra várias proteínas das ilhotas (insulina, enzima descarboxilase do ácido glutâmico, proteínas de membrana com homologia às tirosinofosfatases, gangliosídeos, carboxipeptidase H e outras).

Esse processo acarreta a destruição gradual e progressiva das células ß das ilhotas de Langerhans (com preservação das células α e delta) e posterior falência da secreção pancreática de insulina, determinando primeiramente a dependência permanente de insulina exógena para a homeostase do metabolismo glicídico e secundariamente alterações dos metabolismos proteicos e lipídicos.

 

Veja também: Entrevista com especialista sobre diabetes

 

A forma rapidamente progressiva é comumente observada em crianças e adolescentes, porém pode ocorrer também em adultos. A forma lentamente progressiva ocorre geralmente em adultos e é referida como diabetes latente autoimune do adulto (LADA).

 

Epidemiologia

 

Etiologicamente, o diabetes tipo 1 pode ser subdividido em tipo1A (autoimune) e tipo1B (idiopático). Nos últimos anos, com o desenvolvimento da genética e da imunologia, houve maior compreensão dos mecanismos etiopatogênicos do DM1A quando comparados ao DM1B.

O DM1 pode ocorrer em qualquer faixa etária. Predomina na infância e adolescência, com pico ao redor da puberdade. A doença incide igualmente em ambos os sexos, com alguma preponderância do sexo feminino em populações de baixo risco (japonesa) e, do sexo masculino, em populações com alta incidência da doença (Finlândia e Sardenha).

A prevalência do DM1 é inferior a 1%, porém sua incidência varia largamente entre populações e áreas geográficas. As maiores taxas de incidência mundial (superiores a 35/100.000 habitante/ano) ocorrem na Finlândia e Sardenha (Itália) seguidas por populações caucasianas na Europa e América (cerca de 10–20/100.000 habitantes/ano), com incidência moderada da doença. Finalmente, os países asiáticos (Japão, China e Coreia), apresentam as menores taxas mundiais (inferiores a 3/100.000 habitantes/ano). No Brasil, observamos taxas de 7,6 /100.000 habitantes/ano.

Ainda, variações étnicas em populações residentes na mesma área geográfica podem acarretar riscos diferentes para progressão de DM1. Americanos de origem africana e os hispânicos têm menor incidência que caucasianos residentes na mesma área. A incidência de DM1 tem aumentado mundialmente, segundo estudos epidemiológicos, inclusive em populações com composição étnica homogênea, como na Sardenha, sugerindo a influência de fatores ambientais. A interação de fatores ambientais e genéticos tem papel preponderante no desenvolvimento do diabetes tipo 1.

 

Etiopatogenia e fisiopatologia

 

Os mecanismos que levam a ativação e recrutamento das células T diabetogênicas contra as células-ß pancreáticas não estão esclarecidos. É sabido que o DM1 apresenta forte componente genético em sua gênese. Estudos em famílias mostraram que o risco relativo no desenvolvimento da doença está relacionado ao grau de afinidade com um indivíduo diabético. O risco aumenta de 0,2% para a população geral até 23-50% para os gêmeos monozigóticos. A predisposição genética para o DM1 está, principalmente, associada aos HLA (human leucocyte antigens) e a regiões do gene para insulina. Entre os caucasoides, a predisposição para o DM1 está relacionada aos haplótipos DRB1*03-DQB1*0201 ou, também, DRB1*04-DQB1*0302; enquanto o haplótipo DRB1*15-DQB1*0602 confere proteção à doença (figura 1). Não existe, entretanto, um só alelo ou resíduo que confira suscetibilidade completa ao DM1.

Os antígenos HLA de classe II são estruturas chaves envolvidas na apresentação de antígenos. A interação entre o receptor para célula T (TCR: T cell receptor) e uma célula contendo uma molécula HLA suscetível com um peptídeo diabetogênico poderia desencadear a ativação dos linfócitos T contra os autoepítopos. Alternativamente, os alelos de classe II podem apresentar os peptídeos autoantigênicos aos subtipos de células T funcionalmente diferentes. Assim, os alelos comissionados ativariam, preferencialmente, os linfócitos T helper 1 (TH1) ou resposta citotóxica, enquanto os alelos protetores levariam à estimulação dos linfócitos T helper 2 (TH2). É teoricamente possível que os antígenos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC: major histocompatibility complex) definam a suscetibilidade à autoimunidade por selecionar diretamente os linfócitos T CD4+ autorreativos. Uma teoria sobre o desenvolvimento dos estados de autotolerância aceita que os peptídeos apresentados aos timócitos no contexto HLA são principalmente fragmentos de moléculas MHC. Alguns peptídeos derivados do MCH alelo-específicos apresentam sequências homólogas aos autoantígenos periféricos.

Este mimetismo MHC entre as sequências HLA-DQß e ICA-512/IA-2 poderiam ser responsáveis pelo desenvolvimento do DM1 em indivíduos geneticamente suscetíveis. A apresentação destes peptídeos pelas células apresentadoras de antígenos (APC: antigen-presenting cells) poderia resultar na seleção positiva de linfócitos T CD4+ autorreativos. A subsequente infecção por um agente patogênico (por exemplo, vírus) apresentando os mesmos epítopos facilitaria a expansão clonal e precipitaria a doença autoimune.

Estudos recentes da região HLA demonstraram que os genes poderiam influenciar não só o início do processo autoimune, mas também afetar os estádios mais tardios da doença, tal como a taxa de destruição das células-ß ou a idade com a qual o diabetes clinicamente evidenciável se desenvolve.

A concordância incompleta na incidência do diabetes tipo 1 nos gêmeos monozigóticos sugere claramente o envolvimento de diferentes fatores ambientais na patogênese do DM1. A hipótese mais plausível que se refere à ruptura dos estados de autotolerância aceita que os vírus poderiam desempenhar um papel catalítico nesse processo. Os vírus têm sido implicados por compartilharem epítopos de aminoácidos das proteínas específicas das células-ß (coxsackie e GAD, vírus da rubeola e GAD, rotavírus e IA-2). A infecção viral leva à apresentação dos peptídeos virais aos linfócitos CD8+ no contexto dos antígenos HLA de classe I. As APCs fagocitam vírions e apresentam os peptídeos virais aos linfócitos T CD4+ pelos antígenos HLA de classe II. As células T helper secretam citocinas (IL-1. IL-2. IFN-γ, TNF-α e ß) que estimulam os efeitos citotóxicos dos linfócitos CD8+. O mecanismo autoimune conhecido por mimetismo molecular refere-se à resposta imune contra uma proteína viral que, compartilhando peptídeos comuns às células-ß, poderia resultar em destruição citotóxica das ilhotas pancreáticas. Finalmente, os vírus pancreotrópicos, tais como os enterovírus e o vírus da caxumba, podem afetar diretamente as células produtoras de insulina. Infecções das ilhotas pancreáticas poderiam então revelar autoepítopos normalmente expressos nas células-ß, mas inacessível ao sistema imune pela barreira endotelial. Os vírus podem, também, desencadear o processo auto-imune pela modulação do processamento antigênico (isto é, indução de proteases celulares) revelando epítopos ocultos (crípticos) os quais poderiam, por sua vez, tornarem-se alvo das células T circulantes. Este mecanismo poderia ser responsável pelo desencadeamento da autoimunidade celular a outros antígenos das células-ß. As células-ß infectadas tornar-se-iam, então, suscetíveis ao ataque pelos linfócitos T citotóxicos (CTLs) e macrófagos.

Os experimentos de transferência adotiva e os com infiltrados mononucleares em células de ilhotas pancreáticas humanas indicam que o DM1 é uma doença mediada pelas células T. A reatividade celular aos autoantígenos (GAD, tirosino-fosfatase ou insulina) é responsável pela destruição da células-ß, enquanto que os anticorpos representam a resposta humoral simultânea. Os dados obtidos com modelos animais da doença mostram que as células B agem como APCs, provavelmente, desempenhando papel crucial na patogênese do DM1. Os linfócitos B ativados nos camundongos diabéticos não obesos (NOD) apresentam, preferencialmente, peptídeos derivados do GAD às células T auto-reativas.

Os dados acumulados sugerem, entretanto, que as doença é causada pela comutação do sistema imunológico mais direcionada à resposta TH1 em relação à reposta TH2. No camundongo NOD, o deslocamento da resposta imunológica é causado pelo desequilíbrio das citocinas locais, com deficiência relativa em IL-4 e TGF-ß e promoção da resposta TH1. Estas observações corroboram o potencial envolvimento das células T natural killer (NK) na patogênese do diabetes tipo 1. O papel dos linfócitos NK na imunorregulação tem sido proposto por sua capacidade em secretar IL-4 após a ativação de seu receptor. Assim o defeito primário das células NK no camundongos NOD poderia ser responsável pelo desenvolvimento da autoimunidade mediada por TH1. Contrariando essa hipótese, dados recentes sugerem que a deficiência local de IL-4 e TGF-ß associado a um numero insuficiente de células reguladoras responsáveis pela ruptura da autotolerância.

As células TH1 que se encontram infiltradas nas ilhotas pancreáticas secretam quantidades expressivas de IFN-γ e TNF-ß. Essas citocinas ativam as células endoteliais no recrutamento de leucócitos circulantes ao local da excitação antigênica. As células contendo os antígenos são eliminadas por apoptose mediada por radicais livres pelos macrófagos ativados. Ademais, as células TH1 estimulam os efeitos destruidores antígeno-dependentes das CTLs. A persistente secreção de IFN-γ  nas ilhotas comprometidas pelo processo inflamatório resulta na super-expressão das moléculas HLA classe I nas células-ß, potencializando ainda mais sua destruição. As altas concentrações de IL-1, IFN-γ, TNF-α e ß têm efeito patogênico direto sobre as células-ß. Os experimentos com ratos BB e camundongos transgênicos confirmaram que as CTLs desempenham papel como efetores finais neste processo agindo em conjunto com os linfócitos CD4+ e macrófagos. Com o prosseguimento da reação autoimune, advêm vários mecanismos de destruição imunológica, tais como, citotoxicidade anticorpo-dependente, hipersensibilidade retardada e ativação de complemento. Como consequência o processo autoimune leva a deterioração da função da célula-ß e desenvolvimento do diabetes clinico.

 

Quadro clínico

 

O diabetes tipo 1 é uma doença crônica caracterizada por anormalidades no metabolismo dos carboidratos, proteínas e lípides. Após alguns anos de evolução, pode vir acompanhado por complicações neuropáticas, micro e macrovasculares. Embora afete o todo metabolismo intermediário, seu diagnóstico depende da identificação de alterações específicas decorrentes da glicose plasmática.

Normalmente, os portadores de DM1 apresentam insuficiência absoluta na secreção de insulina e dependem da administração exógena de insulina para prevenir a descompensação metabólica, cetoacidose e morte. Invariavelmente, a primeira descompensação diabética se instala abruptamente (em dias ou semanas) em crianças ou jovens saudáveis e não obesos. Nos indivíduos mais velhos, a instalação do quadro é mais insidiosa. Ao diagnóstico, o paciente apresenta-se, frequentemente, em mau estado geral, emagrecido com sintomas de marcada poliúria, polidipsia e polifagia associados à cetoacidose. Embora se acredite que o DM1 apresente um estádio pré-clínico assintomático algo longo, o acometimento de alguns pacientes por algum processo infeccioso agudo pode acelerar o período de transição entre a fase pré-clínica e clínica do DM1. A administração de insulina é essencial para a recuperação das alterações metabólicas, entretanto, um período de “lua de mel” pode subsistir por semanas ou meses durante o qual há menor necessidade de insulina. A perda gradativa da capacidade secretória de insulina é inexoravelmente perdida no decorrer de alguns anos.

Os portadores de DM1 podem apresentar episódios de hipoglicemia durante ou após exercícios, muitas vezes, decorrentes da supressão da produção hepática de glicose ocasionada, tanto pelo aumento da utilização da glicose pelo músculo, como pela insulina, administrada previamente ao inicio da atividade física, utilizada para corrigir eventuais elevações da glicemia.

As complicações tardias ocorrem após vários anos, principalmente, nos pacientes com controle glicêmico inadequado. Acredita-se que o conteúdo aumentado de glicose em todos os tecidos não dependentes de insulina para a captação de glicose resulte no aumento do processo de glicação não enzimática de proteínas estruturais e da atividade de outras vias metabólicas. A grande maioria das complicações microvasculares podem ser prorrogadas, prevenidas ou revertidas pelo controle rigoroso da glicemia com valores normais da hemoglobina glicada (HbA1c). Após um longo período de evolução, os portadores de DM1 podem apresentar doença cardiovascular (aterosclerose) com coronariopatia sintomática, claudicação, pele distrófica e infecções. A amputação de membros, claudicação intermitente e gangrena decorrentes de insuficiência arterial periférica ocorre muito frequentemente.

A retinopatia incipiente não ocasiona alteração visual expressiva, mas pode progredir para o edema macular ou retinopatia proliferativa com descolamento da retina e hemorragia vítrea que é considerada a segunda causa de cegueira no mundo.

A nefropatia diabética desenvolve-se em cerca de 1/3 dos portadores de DM1. A taxa de filtração glomerular pode, inicialmente, aumentar  com a hiperglicemia. Após cerca de 5 anos de diabetes, a albuminúria clinicamente detectável (≥300 mg/L ou 20 mg/g de creatinina) pode ocorrer independentemente de infecções das vias urinárias. A albuminúria pode ser considerada um marcador da diminuição progressiva da taxa de filtração glomerular com alta probabilidade de desenvolvimento de insuficiência renal crônica dentro de 3-20 anos (mediana=10 anos). A albuminúria é cerca de 2,5x mais alta no portador de DM1 com pressão diastólica maior que 90 mm Hg evidenciando que tanto a hiperglicemia como a hipertensão aceleram a progressão para a insuficiência renal crônica. A nefropatia diabética, quando não responsável pela síndrome nefrótica, geralmente, é assintomática até o advento da insuficiência renal final.

A neuropatia diabética caracteriza-se por polineuropatia, predominantemente0 sensorial, simétrica e distal, que se distribui, geralmente, sob a forma de luva ou meia. A polineuropatia diabética pode causar adormecimento, pontadas e parestesias nas extremidades e, menos frequentemente, dor profunda, grave e debilitante com ou sem hiperestesias.

As mononeurites dolorosas agudas, acometendo 3º, 4º e 6º pares de nervos cranianos ou o nervo femural dos pacientes mais idosos, melhoram espontaneamente ao longo de algumas semanas ou meses e são atribuídas à microinfartos da vasa-vasorum. A neuropatia autonômica ocorre, mais frequentemente, em diabéticos com polineuropatias e podem causar hipotensão postural, hiperidrose pós-alimentar, impotência, ejaculação retrógrada no homem, bexiga neurogênica, esvaziamento gástrico prolongado (às vezes, com “dumping”), disfunção esofágica, constipação e diarreia. Diminuição da frequência cardíaca em resposta à manobra de Valsalva ou à alteração da postura e batimento cardíaco irresponsivo à inspiração profunda são evidências clinicas que confirmam o diagnóstico de neuropatia autonômica.

As úlceras de pé e problemas ortopédicos são importantes causas de morbidade no diabetes. A principal causa predisponente é a polineuropatia diabética pela denervação sensorial que compromete a percepção dos pequenos traumatismos. As alterações na propriocepção leva a um padrão anormal do equilíbrio e desenvolvimento eventual da doença de Charcot.

 

Tratamento

 

Consideram-se três componentes principais na terapia do diabetes tipo 1: dieta, exercício e dosagem de insulina. A educação do paciente é essencial para o sucesso da terapia e o programa de tratamento deve ser suficientemente flexível para permitir mudanças no estilo de vida sem sacrificar o cuidadoso controle metabólico. Utilizando a automonitorização da glicemia capilar (pontas de dedo) e esquemas de tratamento mais flexíveis, com doses de insulinas menores e mais vezes ao dia, os portadores de DM1, caso sejam devidamente educados e orientados, podem trocar a antiga filosofia de tratamento, na qual a dieta e o estilo de vida teriam que se ajustar às imposições criadas por um esquema inflexível de insulinoterapia; por concepções mais atuais de ajuste das doses de insulinas de acordo com a atividade, alimentação e nível glicêmico, passando o controle do estilo de vida para o próprio paciente.

São necessários novos conhecimentos para a utilização deste esquema mais flexível e obtenção de controle glicêmico satisfatório: 1) relação entre os alimentos a serem ingeridos e a dose de insulina de ação rápida (insulina regular) ou ultra-rápida (lispro e aspart) a ser administrada antes das refeições; 2) quanto diminui a glicemia após a administração de 1 unidade de insulina de ação rápida (por exemplo, 1 unidade diminui a glicemia em 40 mg/dL).

Como o portador de DM1 não apresenta secreção insulínica basal e prandial, recomenda-se, atualmente, esquemas terapêuticos com múltiplas doses de insulina. A maneira mais precisa de mimetizar a secreção insulínica normal é o uso da bomba de infusão continua  subcutânea de insulina. Devido à deficiência absoluta de insulina, os portadores de diabetes tipo 1 apresentam, tanto aumento na produção hepática de glicose, como diminuição na captação de glicose pelos tecidos periféricos. A insulinoterapia corrige a hiperglicemia, porém, é incapaz de proporcionar controle glicêmico equivalente ao individuo normal. A utilização de terapia nutricional para redução de peso associada à prática de atividade física são fundamentais para o controle glicêmico dos pacientes com sobrepeso. A utilização da contagem de carboidratos, mantendo uma quantidade adequada e constante de carboidratos, durante as refeições e lanches (por exemplo, 60 g nas principais refeições e 20 g nos lanches), resultará em menor variação da glicemia nos períodos pós-alimentares (2 horas após a alimentação) e melhor controle glicêmico.

Um problema terapêutico adicional do portador de DM1 refere-se à resposta contrarreguladora anormal perante a hipoglicemia induzida pela insulina. Em alguns pacientes, a secreção de glucagon em resposta à diminuição da glicemia é deficiente. A adrenalina pode substituir o glucagon nessas circunstâncias, principalmente, nos pacientes sem neuropatia autonômica. Os pacientes com neuropatia autonômica apresentam secreção anormal de adrenalina e não podem ser considerados candidatos ao esquema de terapia insulínica intensiva, como descrita a seguir.

A dose de insulina típica para garantir controle glicêmico meticuloso varia de 0,5 a 1,0 U/kg/dia. Durante as infecções ou eventos cirúrgicos intercorrentes a necessidade de insulina pode aumentar significativamente. Mais comumente, a insulina basal corresponde a 40%-50% da dose diária de insulina e é administrada sob a forma de insulina NPH ao deitar, complementada ou não com dose matinal menor. A disponibilidade de análogos de insulina sem pico de ação e com maior duração (glargina ou detemir) tem possibilitado melhor reprodução do padrão normal de insulinemia basal e menor adventos de episódios hipoglicêmicos nos portadores de DM1. A dose diária de insulina sem pico corresponde a 10%-20% da dose de insulina NPH utilizada pelo paciente. A secreção de insulina prandial pode ser melhor reproduzida com insulina regular administrada 30-60 min antes das refeições principais ou com ultra-rápida (insulina lispro ou aspart) 15 min ou imediatamente antes das refeições. Tipicamente, 50%-60% da dose diária de insulina pode ser dividida entre as refeições de acordo com a ingestão de carboidratos.

A contagem de carboidratos utilizada pelos portadores de DM1 tem como objetivo reduzir as variações das glicemias pós-alimentares, resultantes da variação do tipo e da quantidade de carboidratos dos alimentos. Os indivíduos portadores ou não de diabetes não costumam ingerir os mesmos alimentos, nas mesmas quantidades todos os dias. A quantidade de proteínas ingeridas deve contribuir em 10%-20% das calorias totais diárias, deixando-se 80%-90% do total para ser distribuído entre gorduras e carboidratos. A quantidade de gorduras ingeridas não deve ultrapassar 10% nessa distribuição e os alimentos com altos índices glicêmicos devem ser evitados.

Existem três métodos de contagem de carboidratos: 1) gramas de carboidratos, 2) substituições de carboidratos e 3) cálculo da glicose disponível em todos os alimentos. O método de substituições de carboidratos é o menos preciso, porque utiliza valores aproximados, em relação ao conteúdo de carboidratos dos alimentos. O cálculo da glicose disponível em todos os alimentos é mais complexo que os demais, necessitando da contagem de proteínas e gorduras dos alimentos que, se não forem ingeridos em grande quantidade, causarão aumento discreto na glicemia pós-alimentar. Embora o paciente necessite medir a quantidade de alimentos a serem ingeridos e utilizar as informações contidas nos rótulos ou tabelas com conteúdo de carboidratos por medidas caseiras dos alimentos, o método de contagem de gramas de carboidratos é considerado o mais adequado aos hábitos alimentares da maioria dos portadores de diabetes.

A relação insulina/carboidrato é utilizada para determinar as doses de insulinas pré-prandiais. Essa relação varia entre os indivíduos e no mesmo indivíduo pode variar de acordo com o horário do dia. Em geral, necessita-se de uma dose maior de insulina pela manhã do que à tarde e à noite devido às diferenças de sensibilidade no decorrer do nictêmero. Admitindo-se que possa ocorrer associação entre os picos de ação da insulina basal e da insulina de ação rápida, administrada antes da refeição, costuma-se diminuir a dose da insulina de ação rápida, usando as seguintes relações: 1U para cada 10 g-15 g de carboidrato nos adultos e de 15 g-20 g para as crianças. O peso corporal pode ser utilizado de acordo com a fórmula:

RELACÃO INSULINA/CARBOIDRATO = 23,7-0,163 x Peso do paciente (kg)

Assim, um paciente com 62 kg utilizaria 23,7-0,163×62=14, ou seja, 1 U de insulina para cada 14 g de carboidrato.

Em geral, quanto menor a dose diária de insulina basal, maior a quantidade de carboidratos metabolizada por 1 unidade de insulina. Para portadores de diabetes, que não se alimentam no período entre as refeições, utiliza-se a insulina ultra-rápida (lispro ou aspart) cujo pico de ação coincide melhor com a glicemia pós-alimentar (2 h após a alimentação). Por seu tempo maior de ação, a insulina rápida pode ser reservada aos pacientes que se alimentam entre as refeições.

A determinação da hemoglobina glicada deve ser realizada a cada três meses e a monitorização pelo paciente das glicemias de jejum, pré-prandiais e ao deitar deve ser incentivada e, principalmente, o médico deve fazer uso de seu registro para aferir as doses de insulina. O objetivo terapêutico é o de manter valores de HbA1c no limite superior da normalidade para o método o que corresponderia aos valores de glicemias de jejum, pré-prandiais e ao deitar inferiores a 120 mg/dL e valores  pós-prandiais menores que 140 mg/dL.

A albuminúria e insuficiência renal podem ser prevenidas ou prorrogadas com a administração de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou de bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA). Enquanto o tratamento agressivo da hipertensão pode prevenir a deterioração da função renal, o uso contínuo de IECA ou BRA confere maior benefício em relação as outras classes de antihipertensivos. Os IECA ou BRA podem prevenir a proteinúria no paciente diabético hipertenso e não hipertenso. Alguns dados recentes, indicam que os IECA podem prevenir, também, a retinopatia diabética.

Veja mais

Sair da versão mobile