Crimes contra a saúde pública | Artigo

A Justiça brasileira não pode omitir-se diante dos criminosos que atentam contra a saúde pública, defendendo a eficácia da hidrocloroquina no tratamento da covid e semeando a desconfiança no valor da vacinas para enfrentar essa pandemia, que não se pode prever quando vai acabar.

close em soro fisiológico em hospital público com pacientes desfocados ao fundo. Justiça deve condenar crimes contra a saúde pública

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Publicado em: 16 de fevereiro de 2022

Revisado em: 16 de fevereiro de 2022

Para o dr. Drauzio, a Justiça não tem o direito de se omitir contra os crimes contra a saúde pública cometidos em nosso país.

 

A Justiça precisa punir os criminosos que atentam contra a saúde pública. Se continuar de braços cruzados, tem que explicar para a sociedade por que razão não o faz.

No último fim de semana, fui convidado a participar de um abaixo-assinado redigido por professores da USP, em repúdio a um documento do Ministério da Saúde, que teve o descaramento de insistir na farsa da eficácia da hidroxicloroquina, característica que faltaria às vacinas, segundo eles.

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Assinei, claro, como o fizeram 45 mil colegas nas primeiras 24 horas.

Apesar da adesão em massa, estou certo de que será mais uma ação incapaz de alterar o rumo das políticas adotadas por um Ministério desmoralizado, comandado por um lambe-botas incompetente, com credibilidade abaixo de zero, que envergonha a nossa profissão sob o olhar subserviente do Conselho Federal de Medicina.

Há um ano, jornalistas, médicos e cientistas aparecem nos meios de comunicação de massa para repetir à exaustão que as vacinas são seguras e protegem contra as formas graves da doença, afirmações defendidas por todas as Sociedades Médicas. Não conheço um único médico, com um mínimo de formação científica, que conteste a necessidade de vacinarmos a população; os que atacam as vacinas, na internet ou no governo, são ignorantes, curtos de inteligência ou mal-intencionados, não há quarta alternativa.

Em contraposição, o ministro e seus auxiliares encarregados do trabalho sujo fazem o possível para desacreditar a vacinação e semear dúvidas sobre a segurança das preparações aprovadas pela Anvisa, uma das agências mais respeitadas do mundo.

O empenho em confundir o povo é tão grande que o ministro da saúde, acompanhado da ministra que teve o privilégio de receber Jesus no alto de uma goiabeira, viajaram para Lençóis Paulista decididos a explorar o caso de uma menina que teve parada cardíaca horas depois de receber a vacina. A ministra se apressou a divulgar a “suspeita” pelo Twitter, sem mencionar que o laudo médico já havia concluído que o episódio não guardava relação com a vacina. Na mesma plataforma, o ministro curtiu a mensagem da colega.

Enfrentar epidemia de tal complexidade, exige especialistas competentes, coordenação centralizada, serviços de saúde organizados e políticos conscientes de suas responsabilidades, para convencer a população de que todos devem se vacinar e tomar os demais cuidados para reduzir, ao máximo, a transmissão.

Para completar o show de horrores e de oportunismo rasteiro, o próprio presidente da República se deu ao trabalho de telefonar para os familiares da criança, em contraste com o desprezo às 623 mil famílias brasileiras que perderam entes queridos na pandemia.

Enquanto na Inglaterra o primeiro-ministro pode cair por causa de uma festinha que contrariou as recomendações oficiais de isolamento social, no Brasil, o presidente, o ministro da Saúde e seus acólitos escolhidos a dedo nas catacumbas da estupidez humana conspiram contra a saúde pública sem que nada lhes aconteça.

Essa pandemia é mais prolongada do que esperávamos. A variante ômicron se dissemina numa velocidade impressionante. Em mais de 50 anos de medicina, nunca vi virose tão contagiosa. Os mais velhos diziam que a varíola era assim, mas não cheguei a ver, porque a vacinação varreu o vírus da face da Terra.

Não podemos nos iludir, essa variante não vai nos imunizar coletivamente. Tenho vários pacientes que tiveram covid, receberam as três doses da vacina e adoeceram outra vez nas últimas semanas, embora com sintomatologia discreta.

Se a doença provocada pelas variantes anteriores não produziu níveis de anticorpos suficientes para evitar a infecção pela ômicron, que certeza pode haver de que não emergirá uma nova cepa capaz de driblar a imunidade induzida por ela?

O Sars-CoV-2 permanecerá entre nós. Quanto mais contagiosa for a variante e mais pessoas não vacinadas disseminarem o vírus, mais tempo ele terá para sofrer novas mutações.

Enfrentar epidemia de tal complexidade, exige especialistas competentes, coordenação centralizada, serviços de saúde organizados e políticos conscientes de suas responsabilidades, para convencer a população de que todos devem se vacinar e tomar os demais cuidados para reduzir, ao máximo, a transmissão.

Admitir que autoridades inescrupulosas se dediquem a fazer exatamente o oposto, colocando em risco a saúde e a vida de todos impunemente, é um péssimo exemplo para lidar com essa e com as futuras epidemias.

A Justiça não tem o direito de se omitir, precisa deixar claro para as próximas gerações que crimes contra a saúde pública devem ser punidos com rigor em nosso país.

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