Antibiótico depois do sexo

Pequeno estudo realizado nas cidades de São Francisco e Seattle demonstrou que o antibiótico doxiciciclina, tomado até 72 horas depois da relação sexual desprotegida, diminui o risco de contrair infecções bacterianas transmissíveis (IST), tais como clamídia, sífilis e gonorreia.

close em mão esquerda segurando um comprimido e direita, um copo d'água. Um comprimido de antibiótico depois do sexo pode ajudar a reduzir risco de ISTs.

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Publicado em: 15 de agosto de 2022

Revisado em: 10 de outubro de 2023

Estudo com doxiciclina mostra que uma dose do antibiótico depois do sexo ajuda a reduzir o risco de ISTs bacterianas. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

Dose única de um antibiótico, tomado até 72 horas depois da relação sexual, reduz o risco de infecções bacterianas sexualmente transmissíveis.

Na Conferência Internacional de Aids, que aconteceu em Montreal em 24 de julho deste ano, foi apresentado o estudo doxyPEP, realizado nas cidades americanas de São Francisco e Seattle.

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Em 2015, foi publicado um pequeno estudo entre 15 homens infectados pelo HIV, que faziam sexo com homens. Todos tinham comportamento sexual que os colocava em risco alto para contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Ao lado do tratamento antirretroviral, os 15 passaram a receber o antibiótico doxiciclina como estratégia de profilaxia pré-exposição (PrEP).

Comparados com outros 15 homens com características semelhantes, mas que não receberam o antibiótico (grupo controle), 48 semanas mais tarde, o grupo tratado apresentou redução significativa do risco de desenvolver sífilis, Chlamydia e gonorreia, as três infecções bacterianas sexualmente transmissíveis mais frequentes.

Em 2018, foi conduzido um estudo na França com a mesma ideia, porém com outra estratégia: a PEP, profilaxia pós-exposição, na qual o antibiótico foi administrado em até 72 horas depois das relações sexuais sem o uso de preservativo. Houve redução de 70% no risco de contrair Chlamydia e de 73% no de adquirir o treponema da sífilis.

Esses estudos com números pequenos de participantes foram considerados “pilotos” para a elaboração do atual, em São Francisco e Seattle, que envolveu 544 participantes, na maior parte homens que fazem sexo com homens, mas também algumas travestis e pessoas de outros gêneros. Em comum, todos tinham estilos de vida que aumentavam o risco de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Dois em cada três participantes seguiram protocolo semelhante ao do estudo francês: 1 comprimido de doxiciclina 72 horas depois da relação sexual desprotegida (grupo doxiPEP). O terço restante serviu de grupo controle (sem antibiótico).

No grupo doxiPEP, houve redução de mais de 60% no risco de contrair gonorreia e Chlamydia. Ocorreu também diminuição do risco de sífilis, mas os números não alcançaram significância estatística.

Numa época em que a prevalência dessas três doenças vem aumentando no mundo inteiro, a administração de uma dose única de um antibiótico de baixo custo, usado há mais de 45 anos no tratamento da acne, da doença de Lyme (riquetsiose transmitida pelo carrapato) e na prevenção de malária em viajantes (embora com resultados conflitantes), com efeitos indesejáveis mínimos (desconforto digestivo e aumento da sensibilidade à luz solar), pode ter impacto na transmissão dessas três infecções.

Embora em dose única os efeitos colaterais sejam muito raros, a adoção desse uso preventivo da doxiciclina foi recebida com reações contraditórias pela comunidade científica. Ao lado de entusiastas que comemoram o encontro de um caminho para reduzir o número de casos dessas doenças que constituem problemas graves de saúde pública, há os que se preocupam com o possível aparecimento de uma consequência indesejável: o desenvolvimento de resistência bacteriana.

O emprego de antibióticos em doses baixas provoca a seleção de cepas bacterianas resistentes a eles, fenômeno conhecido há décadas. Na base do mecanismo de resistência, está a capacidade das bactérias em transmitir umas às outras os genes responsáveis pela resistência.

Em comentário publicado na revista “Science:, Christofer Fairley, diretor do Departamento de Saúde Sexual da Universidade Clayton, em Melbourne, considera injustificável correr esse perigo uma vez que diversos casos de infecção por Chlamydia e gonorreia são assintomáticos, que evoluem para cura sem tratamento.

Esse argumento me parece irrelevante. A sífilis não tratada pode provocar comprometimento ocular, auditivo e cerebral, além de abortamentos e malformações fetais. Sem tratamento, a gonorreia pode causar quadros de artrite e a Chlamydia levar a infecções pélvicas graves, entre outras complicações.

Dispor de uma droga barata, administrada em dose única, nas primeiras 72 horas depois da relação sexual desprotegida, para reduzir o risco de contrair doenças tão graves, talvez valha correr o risco de resistência bacteriana.

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