A propaganda do cigarro | Artigo

Diversas pesquisas mostram que, nos últimos quinze anos, a idade em que meninas e meninos começam a fumar está cada vez mais baixa. Atenta ao mercado, a indústria do fumo dirige a publicidade para a infância e a puberdade. Mas uma lei pode mudar essa realidade.

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Publicado em: 7 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

A propaganda do cigarro é alvo de políticas públicas voltadas para o combate ao tabagismo; por outro lado, há o lobby da indústria do tabaco que atua para barrar iniciativas nesse sentido.

 

Desculpem, mas vou falar do cigarro outra vez. Da publicidade, mais especificamente. O governo enviou para a Câmara dos Deputados um projeto de lei para proibir a propaganda de cigarro que diz o seguinte:

  • A única propaganda permitida será a de cartazes exibidos em ambientes internos; bares e boates, por exemplo. Todas as demais ficam proibidas, inclusive patrocínio de eventos culturais e esportivos;
  • O dono de estabelecimento flagrado ao vender cigarro para menor de 18 anos será condenado à pena de prestação de serviços à comunidade por um período de seis meses a três anos;
  • Multa de R$ 50 mil a R$ 100 mil para os fabricantes, extensiva às agências de publicidade e empresas de rádio e de televisão que infringirem a lei;
  • As emissoras de rádio e de televisão que insistirem em veicular propaganda de cigarro terão sua programação suspensa por até 30 dias.

Quem pode ser contra uma lei como essa? Não torna o cigarro ilegal, não aumenta os impostos, não obriga a indústria a arcar com os gastos de saúde das vítimas do fumo (como estão fazendo os americanos), não pune as agências por propaganda enganosa, apenas proíbe a publicidade. A lei só impede que as imagens de homens de sucesso, garotas livres e esportes radicais sirvam para criar nas crianças a vontade de fumar e, ingenuamente, cair nas garras da dependência química mais escravizante de todas as que existem.

 

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Apesar da brandura da lei, o lobby comandado pela indústria do tabaco e alguns setores da publicidade sempre reagiram ferozmente contra qualquer iniciativa desse tipo.

Dessa forma, conseguiram até hoje manter no ar anúncios há muito banidos de outros países e à custa deles arrebatar legiões de novos dependentes entre a população mais indefesa: 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 21 anos.

Diversas pesquisas mostram que, nos últimos quinze anos, a idade em que meninas e meninos começam a fumar está cada vez mais baixa. Atenta ao mercado, a indústria do fumo dirige a publicidade para a infância e a puberdade.

Por exemplo, veja o que aconteceu nos Estados Unidos com os comerciais estrelados por aquele camelo simpático de óculos escuros, em cima da moto, criado pela R. J. Reinolds, em 1988.

Três anos depois de lançada a campanha, diversos estudos demonstraram que as crianças e adolescentes eram perfeitamente capazes de reconhecer com facilidade o personagem e associá-lo à marca de cigarro correspondente. Um desses estudos mostrou que o camelo era tão conhecido pelas crianças de seis anos quanto o camundongo Mickey.

Levantamentos conduzidos em 1988, quando a campanha foi lançada, e repetidos em 1990 concluíram que o número de adolescentes compradores da marca do camelo aumentou de 0,5% para 32%. No mesmo período, as vendas da marca subiram de US$ 6 milhões para US$ 476 milhões.

O argumento empregado pela indústria para justificar a oposição às leis que pretendem proibir a publicidade do cigarro tem sido tradicionalmente o de que muitos trabalhadores vivem da lavoura, do preparo industrial e da comercialização do fumo, e que uma queda de consumo provocaria desemprego.

A justificativa é ridícula. Do ponto de vista moral, é justo provocar sofrimento e morte de milhões de pessoas só para que uma minoria conserve o emprego? Não aceitamos esse tipo de lógica quando empregada pelos plantadores de maconha em Pernambuco ou pelos produtores de cocaína do cartel de Cali.

Os fabricantes de cigarro ganharam fortunas impunemente até hoje. Mesmo que a publicidade seja proibida imediatamente, o efeito da proibição levará anos para se fazer sentir, porque ainda restarão dezenas de milhões de fumantes escravizados comprando um maço por dia pelo resto de suas existências.

Além disso, as companhias terão tempo suficiente para investir em outros ramos de atividade os milhões de dólares que antes destinavam à propaganda, e assim absorver a mão-de-obra que porventura venha a ficar sem trabalho.

Não é sensato deixarmos que os beneficiários desse comércio tão lucrativo convençam as crianças a se tornarem dependentes, para depois tentarmos fazê-las entender que precisam largar de fumar porque o cigarro faz mal. Em sã consciência, ninguém empregaria essa estratégia com os próprios filhos no caso do crack ou da heroína.

A responsabilidade de protegê-los contra o sofrimento que lhes será imposto pela dependência química de nicotina não é apenas do governo, é de todos nós que pretendemos criar filhos e netos neste país.

Proibir a propaganda do fumo está acima de partidos políticos, de interesses de grupos ou de ideologias. A Câmara, o Senado e a sociedade têm uma grande responsabilidade. É fundamental que a imprensa divulgue os nomes dos políticos e dos lobistas empenhados em rejeitar o projeto que proíbe a propaganda de cigarro.

Estamos diante de uma oportunidade sem precedentes para atacar com seriedade o problema do fumo no Brasil.

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