A dose de reforço | Artigo

A aplicação de uma dose de reforço da vacina contra a covid-19 tem gerado muita discussão entre os cientistas, especialmente quando se leva em conta a enorme parcela da população mundial que ainda não começou sequer a ser vacinada.

enfermeira aplica dose de reforço da vacina contra a covid-19 em idosa

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Publicado em: 1 de setembro de 2021

Revisado em: 27 de janeiro de 2022

A discussão a respeito da necessidade da dose de reforço da vacina contra a covid-19 segue acirrada no mundo todo.

 

Cerca de 75% das vacinas contra a covid-19 foram aplicadas em apenas dez países.

Enquanto na África abaixo do deserto do Saara e em algumas regiões da Ásia, o número de vacinados se mantém abaixo de 5%, outros países administram doses de reforço aos já imunizados.

Veja também: Por que a terceira dose será necessária para alguns grupos?

Essa discussão surgiu com a emergência da variante Delta, altamente contagiosa, e com as demonstrações laboratoriais de que a intensidade da resposta imunológica conferida pela vacina cai com a passagem dos meses. Israel, Estados Unidos, Alemanha, China, Rússia e Emirados Árabes foram os primeiros a adotar as doses de reforço, estratégia que provavelmente será seguida no Brasil e em outras partes do mundo.

A Organização Mundial da Saúde exorta os governos a adotar uma moratória até o fim de setembro, antes de recomendar o reforço. Os técnicos da Organização se apoiam na falta de consenso entre os cientistas. A revista “Nature” traz ampla discussão sobre o tema.

A vacinação provoca aumento de células imunologicamente competentes, capazes de produzir anticorpos para a ação imediata, além de células de memória (linfócitos B e T) que sobreviverão para serem mobilizadas em caso de novo contato com o mesmo agente. A dose de reforço estimula os linfócitos de memória a multiplicar-se para produzir anticorpos com mais eficiência, no combate a infecções futuras.

Testes realizados com doses extras das vacinas Pfizer, AstraZeneca, Moderna e Sinovac mostraram que elas são capazes de provocar picos nos níveis de anticorpos neutralizantes, quando administradas alguns meses depois da segunda dose. Parece que esses picos são mais elevados quando o reforço é feito com vacina de outra marca.

É provável que muitos dos que receberão doses de reforço talvez não necessitassem delas. Por outro lado, o aumento do número de casos e de hospitalizações de pessoas com mais de 60 anos, nas últimas semanas, não nos deixa tempo para aguardar que a ciência estabeleça consensos baseados em evidências.

O problema é que depois de doses repetidas, o número de células de memória e os níveis de anticorpos produzidos por elas se estabilizam num platô que não se altera diante de novos estímulos, sejam vacinais ou causados por outro contato com o coronavírus.

Normal em qualquer vacina, a queda na quantidade de anticorpos com a passagem do tempo também ocorre na imunização contra o Sars-CoV-2. O que falta saber é se esse declínio indica perda das defesas contra o vírus. Seria de grande utilidade definir qual o limiar mínimo da quantidade de anticorpos, ainda capazes de conferir proteção. Por causa desse desconhecimento, não é recomendada a dosagem de anticorpos na corrente sanguínea para comprovar a eficácia da vacinação.

Na ausência de marcadores para avaliar o grau de proteção após imunização, pesquisadores israelenses verificaram se o número dos que caem doentes, agora, é maior entre os que receberam a vacina nos primeiros meses das campanhas no país. A resposta foi sim: os níveis de proteção entre os primeiros judeus vacinados foram de 40% contra 90% naqueles imunizados nos últimos meses. Esse declínio faz suspeitar, mas não prova ter sido por perda de imunidade, porque pode estar ligado à agressividade da variante Delta e ao comportamento social das populações vacinadas.

Outro dado importante é saber se a proteção das vacinas contra as formas graves da doença diminui com a passagem do tempo. Todos os estudos realizados com as vacinas disponíveis mostraram que a proteção contra a formas graves ou fatais da covid-19 é mantida, mesmo quando se trata da variante Delta. O que não sabemos é se os vacinados que desenvolveram quadros leves da doença perdem a imunidade e ficam sujeitos a infecções mais graves, no futuro.

Tantas dúvidas levam muitos cientistas a considerar desperdício de recursos administrar reforços, enquanto muitos não receberam uma dose sequer.

Países como o nosso, a China ou os Emirados Árabes, com grande número de vacinados com vírus mortos que conferem proteção mais baixa, dificilmente deixarão de imunizar os mais velhos e os imunodeprimidos, com uma dose adicional de uma vacina mais eficaz.

É provável que muitos dos que receberão doses de reforço talvez não necessitassem delas. Por outro lado, o aumento do número de casos e de hospitalizações de pessoas com mais de 60 anos, nas últimas semanas, não nos deixa tempo para aguardar que a ciência estabeleça consensos baseados em evidências.

Como diz o infectologista Júlio Croda: “a terceira dose para os mais velhos é questão para ontem”.

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