Até hoje a ciência não conseguiu provar que dietas com carne vermelha provoquem ataque cardíaco ou encurtem a vida.
Quantas vezes deixei de comer carne porque diziam que era um veneno para o coração! Mais grave, como a maioria dos médicos, durante 20 anos recomendei que meus pacientes fizessem o mesmo, porque os estudos pareciam dar suporte a esse tipo de orientação. O tempo encarregou-se de demonstrar, no entanto, que estávamos errados.
Em outras palavras: até hoje a ciência não conseguiu provar que dietas ricas em gordura animal provoquem ataque cardíaco ou encurtem a duração da vida. Quem foge de um churrasco como o diabo da cruz para poupar o coração pode estar fazendo sacrifício inútil.
A política de convencer a população a cortar carne vermelha da dieta, adotada há 30 anos por diversos países, inclusive pelo Brasil, precisa ser revista. Não apenas por falta de comprovação de suas vantagens, mas pela possibilidade de causar o estrago dos tiros que saem pela culatra: contribuir para engordar a população, como os dados epidemiológicos recentes parecem demonstrar.
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Depois da Segunda Guerra, os norte-americanos ficaram surpresos com a alta incidência de infartos em homens de meia-idade e em mulheres na menopausa. Qual seria a explicação para esses casos? Certamente algo que o homem moderno andava fazendo de errado, pensaram logo.
Nos anos 1960, a contracultura atribuía à vida urbana os males que afligiam a humanidade. Muitos pregavam a alimentação vegetariana (sem defensivos químicos, é claro) como essencial à saúde plena. Nessa época, a ciência já havia demonstrado que:
1) a causa do infarto é a obstrução das artérias que irrigam o músculo cardíaco (coronárias), por placas que contêm colesterol;
2) o colesterol possui duas frações: uma delas protetora, outra potencialmente perigosa: o “bom”, ou HDL, e o “mau”, ou LDL;
3) gorduras saturadas, como as contidas na carne vermelha, no leite, nos queijos e nas frituras, provocam aumento do LDL, o colesterol “ruim”. Cortá-las da dieta faz o colesterol cair. Pouco, porém, não mais do que 10%;
4) cerca de metade dos ataques cardíacos ocorrem em pessoas com colesterol normal;
5) o risco de infarto não é o mesmo em todos os países. Finlandeses e escoceses, por exemplo, correm risco maior. Por causa da gordura na dieta, concluíram todos, sem lembrar que, entre os povos do Mediterrâneo, o consumo de gordura animal aumentou nos últimos 30 anos, enquanto a mortalidade por infarto diminuiu proporcionalmente.
Na década de 1980, um estudo da Universidade da Califórnia mostrou que a colestiramina, um dos primeiros medicamentos capazes de reduzir os níveis de colesterol, quando administrado a homens com LDL muito alto, reduzia em 1,6% o número de ataques cardíacos e em 0,4% a mortalidade.
Estavam reunidos os ingredientes para a confusão geral que viria em seguida: se um remédio que abaixa o colesterol reduz a prevalência de ataque cardíaco e se dieta pobre em gordura diminui pelo menos um pouco os níveis de colesterol, então cortar gordura da dieta só pode ser bom para o coração!
Parece lógico, mas não é. Para comprovar que a ação de uma droga tem efeito idêntico ao da retirada de um item da dieta, seria necessário um estudo com centenas de milhares de participantes seguidos por décadas, com rigor. Estima-se que um trabalho desses custasse US$ 1 bilhão, quantia que ninguém teve coragem de investir.
Apesar da inexistência desse estudo decisivo, as autoridades médicas americanas decidiram recomendar à população que reduzisse drasticamente o consumo de gordura animal. Se não fizesse bem para o coração, pelo menos ajudaria a emagrecer, imaginavam: a carne é mais calórica. Realmente, um grama de gordura produz nove calorias, contra quatro produzidas por um grama de açúcar ou de proteína.
A repercussão desse tema na mídia foi tão grande que o colesterol entrou para o repertório popular. Muitos países adotaram a moda americana: cortar gordura animal da dieta de todos, até de crianças pequenas! A oferta de alimentos com baixos teores gordurosos explodiu. Passados trinta anos, o que aconteceu?
Descontadas as pessoas que, por razões genéticas, apresentam LDL muito elevado e, de fato, correm um pouco mais de risco de ataque cardíaco mesmo com aumentos pequenos nesses valores – e por isso precisam comer menos gordura animal -, para as demais, a grande maioria da população, nenhum dos estudos realizados para provar que a ingestão de carne interfere na longevidade teve êxito.
Alguma coisa temos de comer, não é lógico? Se não for carne, será o quê? Como não é fácil substituir o bife do almoço por uma saladinha, sem carne atacamos pães, arroz, macarrão e doces, alimentos ricos em carboidratos, menos calóricos do que a carne, é verdade, mas devorados em quantidades muito maiores, compulsivamente muitas vezes, como se faz com bolos, sanduíches e chocolates.
O caso americano é didático: em 1980, cerca de 40% das calorias ingeridas na dieta vinham da gordura animal. Depois de 20 anos de campanha feroz contra a carne, reduziu-se esse número para 34% no ano 2000. Pela lógica, as pessoas deveriam ter emagrecido, já que cortaram um alimento altamente calórico! O que aconteceu? Em 1980, a obesidade afligia 14% dos americanos, hoje ultrapassou 22%.
Engordar piora o perfil lipídico, aumenta a probabilidade de desenvolver diabetes, de ter pressão alta e de levar vida sedentária. Esses, sim, são fatores que provocam risco de ataques cardíacos, de derrames cerebrais e de morte precoce.
Com exceção da citada minoria de pessoas com níveis muito elevados de LDL, prometer saúde e longevidade a todos os que deixarem de comer carne, sem evidência científica de que isso seja possível, é apenas um dogma. Está na hora de abandoná-lo.