Hepatite B | Entrevista

Esta IST pode ser transmitida também por instrumentos cortantes contaminados. Conheça sintomas e tratamento nesta entrevista sobre hepatite B.

A hepatite B é uma doença sexualmente transmissível que provoca inflamação no fígado. Saiba mais na entrevista.

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Publicado em: 10 de outubro de 2011

Revisado em: 21 de outubro de 2021

A hepatite B é uma doença sexualmente transmissível que provoca inflamação no fígado. Saiba mais na entrevista.

 

Hepatite B é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que provoca inflamação no fígado. A via sexual não é a única forma de a pessoa adquirir o vírus da hepatite B (HBV), mas seguramente é a mais importante delas. Ele pode penetrar no organismo também por via parenteral e perinatal (durante a gestação e o parto).

Muitas vezes, vencida a fase inflamatória, o HBV é eliminado naturalmente do organismo e a pessoa se torna imune a novas infecções. O problema ocorre quando ele não é eliminado e causa uma reação inflamatória crônica que, embora contida e limitada, no decorrer de anos pode levar a complicações hepáticas muito graves como a cirrose e o câncer de fígado.

Contra a hepatite B, existe vacina que faz parte do calendário oficial de vacinação do Ministério da Saúde. De uns anos para cá, crianças são vacinadas logo ao nascer e ficam protegidas por toda a vida. Adultos que pertençam a certos grupos de risco também devem receber essa vacina.

 

VIAS DE TRANSMISSÃO

 

Drauzio — Você concorda com o conceito de que a via sexual é a mais importante na transmissão do vírus da hepatite B?

Gilberto Turcato – Estou plenamente de acordo. A maioria das pessoas adquire o vírus da hepatite B por via sexual, embora ele possa ser transmitido também por via parenteral através do uso de agulhas usadas para colher sangue, injetar drogas ilícitas, eventualmente pelas agulhas de acupuntura e de tatuagem, e por via perinatal durante a gestação e o parto.

 

DrauzioOs alicates para cortar cutícula usados pelas manicures podem transmitir o vírus da hepatite B?

Gilberto Turcato – O vírus da hepatite B é muito resistente e pode permanecer nesses instrumentos até por mais de uma semana, sendo potencialmente infectante, ou seja, conservando sua característica de infectividade. Além disso, como sua concentração no sangue é elevada, algumas gotículas na superfície de um instrumento contêm enorme quantidade de vírus viáveis e pequeno ferimento na pele pode funcionar como porta de entrada para a infecção.

 

Drauzio – Os profissionais de saúde têm muito medo de adquirir o vírus da aids acidentalmente por picadas de agulhas, quando estão colhendo sangue de um doente. No entanto, é importante destacar que a infectividade do vírus de hepatite B é muito mais alta do que a da aids.

Gilberto Turcato — Estudos mostram que a probabilidade de transmissão do HIV, o vírus da aids, por picadas de agulhas durante a coleta de sangue de uma pessoa infectada é inferior a 1%, enquanto a da transmissão do vírus da hepatite B gira em torno de 25% a 30%.

 

Drauzio — Quem se contamina acidentalmente com sangue infectado pelo vírus da aids pode tomar algumas providências imediatamente. E quem se contamina com o vírus da hepatite B, o que deve fazer?

Gilberto Turcato – Em relação à hepatite B, a providência mais importante é tomar a vacina, uma vez que a pessoa vacinada está protegida contra a infecção para sempre. Entretanto, se a infecção já ocorreu, existem algumas formas de tratamento com critérios bem estabelecidos a que se pode recorrer.

 

Veja também: Hepatite B também é DST

 

Portanto, quem entra em contato com sangue de uma pessoa infectada deve procurar assistência médica imediatamente. A gamaglobulina hiperimune, anticorpo específico contra a hepatite B, é um medicamento caro, difícil de encontrar, mas que deve ser usado nessas situações.

No que se refere aos profissionais de saúde, atualmente, a grande maioria já foi vacinada, produziu anticorpos e está protegida o que lhes dá maior sensação de segurança e proteção contra a doença.

 

VACINAS

 

Drauzio – Crianças que nascem hoje recebem a vacina contra hepatite B de acordo com o calendário oficial do Ministério da Saúde, mas quem é adulto dificilmente foi vacinado. Qual é a recomendação para essas pessoas?

Gilberto Turcato – Realmente, a vacina contra a hepatite B faz parte do calendário oficial de vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde e a primeira das três doses é administrada logo após o nascimento. Com poucos efeitos colaterais, ela protege o indivíduo por toda a vida.

Como se trata de uma conduta pública relativamente recente, a grande maioria dos adultos de hoje não foi vacinada. Por isso, aqueles que pertencem a grupos de risco, ou seja, os que têm múltiplos parceiros sexuais, os usuários de drogas injetáveis e os profissionais de saúde (médicos, dentistas, pessoal que trabalha em laboratório) devem receber a vacina.

 

Drauzio – Você diz que quem tem múltiplos parceiros sexuais deve tomar a vacina. Mas a pessoa pode ter múltiplos parceiros não infectados e a probabilidade de ser contaminada pelo vírus é nenhuma. No entanto, ela existe nas relações monogâmicas, se um dos parceiros estiver infectado. Nesse caso, qual é a porcentagem de pessoas que se infectam?

Gilberto Turcato – É muito alta. Tão alta que, quando se faz o diagnóstico de uma infecção crônica, a vacina é obrigatoriamente indicada não só para o parceiro sexual, marido ou mulher, mas também para todos os contactantes que moram no mesmo domicílio.

Drauzio – Se o vírus é transmitido pelo sangue ou por relação sexual, por que os contactantes devem tomar a vacina?

Gilberto Turcato – Como o vírus existe em grande quantidade no sangue, permanece viável no ambiente por bastante tempo e pode ser transmitido por pequenas lesões, a possibilidade de contágio existe e é real para as pessoas que convivem próximas do infectado. Há farta documentação mostrando que a presença de um paciente com hepatite crônica numa casa pode transmitir o vírus para outros membros da família.

 

PREVALÊNCIA DA INFECÇÃO

 

Drauzio – Qual a porcentagem de infecção em casais discordantes, isto é, em que apenas um dos dois é portador do vírus?

Gilberto Turcato – Eu não saberia precisar, mas é muito mais fácil adquirir hepatite B por via sexual do que aids. O curioso é que a ênfase está toda voltada para a transmissão do HIV por via sexual, e insistir nesse ponto está absolutamente correto. No entanto, é muito mais fácil transmitir a infecção pelo vírus da hepatite B na relação sexual do que pelo HIV, e muita gente não sabe disso.

 

Drauzio – Se a hepatite B é transmitida tão facilmente, deve representar um problema de saúde pública de graves proporções. Qual é a dimensão desse problema num país como o Brasil?

Gilberto Turcato – Calcula-se que haja 300 milhões de pessoas portadoras do vírus ou com hepatite B crônica no mundo. Em algumas regiões, como o Sudeste Asiático e a China, a prevalência é muito alta. Na Amazônia, de 5% a 20% da população adulta está infectada, o que não ocorre nas demais regiões do Brasil, em que a prevalência gira em torno de 1% a 3%.

 

Drauzio – Por que na Amazônia a prevalência é mais alta?

Gilberto Turcato – Não sei se há alguma explicação lógica para isso. Só sei que há regiões no mundo onde a hepatite B é endêmica.

 

TRANSMISSÃO VERTICAL

 

Drauzio – A pessoa pode adquirir o vírus por via sanguínea ou por relação sexual, mas há a transmissão vertical, da mãe para o feto. Isso ocorre na fase intrauterina ou durante o nascimento?

Gilberto Turcato – Pode ocorrer na fase intrauterina, mas prioritariamente ocorre no período periparto ou durante o trabalho de parto e, embora seja uma via menos importante, durante a amamentação.

 

Drauzio – Toda criança de mãe portadora crônica do vírus da hepatite B nasce infectada?

Gilberto Turcato – A probabilidade é muito grande, alcança os 90%. No Sudeste Asiático, o problema é gravíssimo, já que uma das complicações da hepatite B é o hepatocarcinoma ou câncer de fígado, doença frequente e quase sempre fatal que acomete principalmente indivíduos do sexo masculino nesses locais.

 

Drauzio – Há alguma coisa que se possa fazer para evitar que a mãe transmita o vírus para a criança?

Gilberto Turcato – Para diminuir a possibilidade de transmissão vertical tem sido preconizado e com bons resultados o uso da gamaglobulina hiperimune associada à vacinação logo após o nascimento. A redução das infecções é bastante significativa. Por isso, não se pode deixar de adotar essas medidas, pois as consequências da infecção pelo vírus HBV serão muito sérias na vida da criança.

 

Drauzio – Mães portadoras do vírus não podem amamentar a criança?

Gilberto Turcato – Teoricamente não existe recomendação para interromper a amamentação, embora se trate de um assunto que possa ser discutido. A Organização Mundial de Saúde não contraindica a amamentação porque, além de não ser considerada uma via de transmissão importante (o período de trabalho de parto e de troca de sangue entre placenta e mãe seriam mais determinantes para a transmissão do vírus), nos locais de maior incidência da hepatite B, ela tem implicações nutricionais significativas.

 

EVOLUÇÃO DA DOENÇA

 

Drauzio – Como evolui o quadro da hepatite B?

Gilberto Turcato – A partir do momento em que o indivíduo se infecta, demora mais ou menos de um a quatro meses para desenvolver uma doença aguda que nem sempre é sintomática. Muitas vezes, surge quadro de febre, dor nas articulações e mal-estar, sintomas que não caracterizam clinicamente a hepatite viral. Apenas em 20% ou 30% dos casos, ocorre icterícia, sinal que chama mais a atenção e que facilita o diagnóstico.

Normalmente, a hepatite aguda se resolve num tempo inferior a seis meses. A recuperação pode ser total, o paciente fica imune e nunca mais será reinfectado pelo vírus HBV.

A doença pode, porém, ter outro tipo de evolução e a pessoa se torna portadora sã do vírus com o qual convive bem e que agride muito pouco seu fígado, mas é capaz de transmiti-lo na relação sexual e através do sangue.

A convivência, entretanto, pode ser menos amigável e a infecção evoluir para uma hepatite crônica que acaba determinando lesões no fígado como cirrose (cicatrização desorganizada do tecido hepático), ou câncer do fígado (doença grave também provocada pela hepatite C).

 

Drauzio – Nos casos em que o vírus persiste, o curso da doença é variável, mas em média quanto tempo leva para surgirem complicações como insuficiência hepática, cirrose ou câncer de fígado?

Gilberto Turcato – São necessários anos ou até décadas de evolução para que as complicações apareçam. O fígado é um órgão com reserva funcional muito grande e, mesmo agredido, continua desempenhando suas funções sem muito prejuízo para a saúde do portador do HVB. Infelizmente, embora leve bastante tempo, essa infecção persistente acaba determinando quadros de insuficiência hepática, cirrose e outras complicações mais sérias.

 

Drauzio – Vamos imaginar a seguinte situação. A pessoa vai doar sangue ou faz um check-up e só então fica sabendo que foi infectada pelo vírus da hepatite B. O que deve fazer?

Gilberto Turcato – Por incrível que pareça, essas são as formas mais frequentes de a pessoa ficar sabendo da infecção pelo vírus da hepatite B, porque não apresentou sintomas que chamassem atenção sobre a doença na fase aguda.

A partir do momento que se firma um diagnóstico de hepatite B crônica, é importante estabelecer o perfil dos marcadores sorológicos que caracterizam mais ou menos a fase em que se encontra a doença, a fim de saber até que ponto o órgão está preservado ou não em suas funções, ou, se necessário, pede-se uma biópsia hepática.

 

Drauzio – Resultado positivo desse exame pode indicar que existe uma “cicatriz” da infecção, apesar de o vírus já ter sido eliminado?

Gilberto Turcato – Sem dúvida. Por isso é importante estabelecer o perfil desses marcadores, porque através dele é possível determinar se o indivíduo teve hepatite aguda, recuperou-se e só tem anticorpos ou se é portador crônico da doença.

Se ele se enquadra no primeiro caso, sua situação é muito confortável. Significa que está imune, não corre risco de adquirir novamente a doença e que seu fígado está absolutamente normal. Nas hepatites crônicas, como há vários graus de agressão ao fígado, cada caso precisa ser estudado isoladamente.

 

TRATAMENTO

 

Drauzio – Existe tratamento para a hepatite B?

Gilberto Turcato – Existe tratamento que classicamente pode ser feito com interferon, uma substância antiviral que nosso organismo é capaz de produzir e que tem o poder de combater o vírus B. É um tratamento longo – dura em média de 16 a 24 semanas – composto por injeções subcutâneas como as de insulina, que devem ser aplicadas no abdômen ou na coxa três vezes por semana ou, em alguns esquemas, diariamente.

 

Drauzio – O paciente pode aplicar a injeção em si mesmo?

Gilberto Turcato – Pode e deve, porque não é difícil e a pessoa fica com mais segurança e liberdade.

 

Drauzio – É um tratamento fácil de suportar?

Gilberto Turcato – Não. Além de ser um tratamento caro, gera alguns efeitos colaterais importantes: febre, desconforto, dor no corpo, dor muscular semelhante à dos quadros gripais, náusea, queda de cabelo. O uso prolongado do interferon pode também provocar anemia, queda das plaquetas, os elementos responsáveis pela coagulação do sangue, alterações da tireoide e, frequentemente, depressão.

 

Drauzio – Existe algum outro medicamento que pode ser usado além do interferon?

Gilberto Turcato – A lamivudina, uma droga inicialmente usada para o vírus HIV da aids, mostrou que tem atividade também para o vírus HVB, assim como o tenofovir, entre outras drogas.

 

Drauzio – Qual o resultado desse tratamento, lembrando que, no Brasil, o interferon é distribuído gratuitamente pelo sistema público de saúde?

Gilberto Turcato – Existem formas bastante diferentes de avaliar o resultado do tratamento. Há a resposta inflamatória que pode ser controlada através dos exames de sangue. Há a resposta virológica com a eliminação completa do vírus e da inflamação e com reversão total para um quadro de cura. Infelizmente, essa resposta completa ocorre apenas em torno de 30% a 40% dos pacientes e varia de acordo com o tipo de vírus.

 

DIETA E DOAÇÃO DE SANGUE

 

Drauzio – Existe alguma dieta especial para essa fase do tratamento?

Gilberto Turcato – Não há nada comprovado sobre a vantagem de alguma dieta em especial. Recomenda-se que a pessoa tenha uma dieta balanceada e bem distribuída e que não beba álcool, para evitar mais um fator de agressão para o fígado.

Alguns medicamentos para micose e anticonvulsivantes podem também agredir o fígado. Portanto, se necessários, o médico deve ser avisado que o paciente é portador do vírus HBV, pois assim procurará alternativas para substituir os remédios contraindicados.

 

Drauzio – Quem teve hepatite B pode doar sangue?

Gilberto Turcato — Mesmo a presença só dos anticorpos da hepatite B acaba sendo apontada nos exames de triagem dos bancos de sangue e isso faz com que o sangue seja excluído e a doação não seja aceita.

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