Herpes-zóster | Entrevista

Após causar a catapora, o vírus da doença pode ficar incubado em um nervo e, muito tempo depois, provocar o herpes-zóster. Leia a entrevista completa sobre a enfermidade. 

Dr. Esper Kallás é médico infectologista, professor da Universidade Federal de São Paulo. Pertence ao corpo clínico do Hospital do Servidor Público de São Paulo e do Hospital Sírio-Libanês. postou em Entrevistas

Costas de um homem com bolhas somente do lado direito, típicas de herpes-zóster.

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Publicado em: 3 de fevereiro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Após causar a catapora, o vírus da doença pode ficar incubado em um nervo e, muito tempo depois, provocar o herpes-zóster. Leia a entrevista completa sobre a enfermidade. 

 

* Entrevista revista e atualizada em junho de 2015.

 

No herpes-zóster, popularmente conhecido como “cobreiro”, as pequenas vesículas que se formam na pele acompanham o trajeto das raízes nervosas (imagem 1) numa faixa que pega sempre um lado só do corpo.

Causada pelo vírus da catapora, a enfermidade fez a fama de muitos benzedores que passavam um traço dividindo o corpo da pessoa infectada em duas metades e preconizavam – “Daqui não vai passar”.  E nunca passava mesmo, porque a doença afetava apenas o nervo que vinha pelo lado direito, por exemplo. Do lado oposto, o nervo era outro, vinha da esquerda e não estava comprometido.

 

AGENTE ETIOLÓGICO

 

Drauzio – Qual é o agente etiológico, isto é, o germe responsável pela doença herpes-zóster?

Esper Kallás – O agente causador do herpes-zóster é um vírus chamado varicela-zóster e que não deve ser confundido com o vírus do herpes simples que causa lesões na boca e nos genitais.

O varicela-zóster é o agente de duas doenças: da catapora e do herpes-zóster. A catapora, ou varicela, é transmitida de pessoa para pessoa, acomete principalmente crianças em idade escolar e provoca lesões no corpo todo, braços, pernas, rosto, tronco e, às vezes, até dentro da boca (imagem 2). São lesões em forma de vesícula, isto é, pequenas bolhas cheias de líquido, cercadas por uma área avermelhada característica de inflamação. Depois, essas bolinhas d’água criam cascas chamadas crostas (imagem 4) que secam e caem, deixando uma pequena cicatriz que desaparece com o tempo. Na esmagadora maioria dos casos, a doença evolui para cura espontânea. Embora seja incomum, a varicela pode ocorrer em pessoas de mais idade, como é o caso da senhora que aparece na imagem 3.

O herpes-zóster é outro tipo de doença causada pelo mesmo vírus que fica incubado num nervo depois que provocou catapora. Cerca de 20% das pessoas podem ter herpes-zóster em algum momento da vida.

      

 

CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES

 

Drauzio – Quer dizer que o vírus da varicela, que persiste por anos, pode reaparecer sob nova apresentação? 

Esper Kallás – Embora seja causado pelo mesmo vírus que a varicela, o herpes-zóster não é transmitido de pessoa para pessoa por via respiratória. O vírus fica incubado no nervo e, por alguma razão que não conhecemos ainda, caminha por ele e provoca lesões parecidas com as da catapora. A imagem 5 mostra as vesículas num nervo que saiu da coluna e foi até a metade do corpo e a imagem 6, as lesões localizadas entre o tórax e o abdômen do paciente.

O herpes-zóster pode causar lesões discretas ou mais numerosas. Nesse caso, as bolhas se misturam umas com as outras formando o que se chama de confluência.

 

Drauzio – Como seguem a raiz nervosa, essas lesões podem aparecer em qualquer lugar do corpo, mas sempre em apenas um dos lados…

Esper Kallás – Uma das principais características do herpes-zóster ou cobreiro é que a lesão não ultrapassa a metade do corpo, ou seja, a linha média que divide o corpo em duas partes: o lado direito e a lado esquerdo.

 

Drauzio – Quando o herpes-zóster acomete a face (imagem 8), quais as características mais importantes e as complicações mais frequentes?

Esper Kallás – O herpes-zóster pode caminhar pelo nervo que vai para a face. Em regiões como o tórax ou a perna, a conduta seria esperar que as feridas desaparecessem depois de sete dias. Na face, a situação é diferente. Ele pode acometer os nervos que vão para o olho a causar ceratite, uma inflamação da córnea (membrana transparente que recobre o olho), o que pode causar problemas de visão. Herpes-zóster na região da face, além do tratamento convencional, requer cuidados especiais também do oftalmologista.

 

SINTOMAS E TRANSMISSÃO DA DOENÇA

 

Drauzio – Quais são os principais sintomas do herpes-zóster?

Esper Kallás – Os primeiros sintomas são um pouco de formigamento e dor no lugar onde vão aparecer as lesões e, em alguns casos, febre baixa no primeiro dia. Depois, começa a aparecer vermelhidão no local afetado e só então eclodem as bolinhas com água, ou seja, as vesículas contendo o vírus.

 

Drauzio – Quantos dias leva entre o aparecimento das primeiras alterações de sensibilidade e o aparecimento das lesões?

Esper Kallás – De um a dois dias. Uma vez instaladas as lesões, se a pessoa gozar de boa saúde, em sete dias mais ou menos todas terão criado crosta e a doença praticamente terá chegado ao fim.

Como no herpes-zóster a lesão é localizada, não há transmissão respiratória, mas a doença pode ser transmitida através do contato, porque o vírus está ativo dentro das lesões vesiculares. Portanto, quem tem criança vivendo na mesma casa não precisa ter medo de transmitir o vírus apenas por conviver no mesmo ambiente com a pessoa infectada.

 

Drauzio – Quer dizer que o vírus incubado corre por dentro do nervo, chega até a pele e está presente nas vesículas que se formaram?

Esper Kallás – Está presente. Aliás, essa capacidade de correr pelo nervo pode causar inflamação intensa e dor muito forte nesse local. Essa é outra característica do herpes-zóster.

 

Drauzio – Que cuidados a pessoa com lesões herpéticas deve tomar em relação aos contatuantes?

Esper Kallás – O mais importante é tomar cuidado com a manipulação da ferida. A pessoa deve lavar as mãos com água e sabão antes e depois de lidar com a lesão e, se por acaso notar que as bolinhas estão estourando, deve cobrir a região para não deixar que o líquido contendo vírus vaze, o que facilitaria a contaminação de outras pessoas.

 

Drauzio – Nesse caso, separar toalhas e objetos pessoais que entram em contato com a lesão é muito importante.

Esper Kallás – É importante. Além disso, outra medida que se aconselha é usar substâncias como água boricada  para impedir que bactérias se alojem sobre as bolinhas e causem infecção.

 

NEVRALGIA

 

Drauzio – Como é a dor característica do herpes-zóster?

Esper Kallás – Como o herpes-zóster caminha por um nervo responsável pelas sensações da região onde se situa, sua inflamação pode provocar uma dor intensa chamada nevralgia exatamente no local em que a lesão apareceu.

Em crianças e jovens, a dor pode ser mais fraca ou até inexistente. O problema é quando ela acomete pessoas de idade mais avançada, porque a inflamação do nervo pode ser de tal magnitude que provoca uma nevralgia que persiste por muito tempo – em média mais de cem dias – e exige a prescrição de remédios potentes para tirar a dor. Há, ainda, um porcentual pequeno de pessoas que manifesta dor permanente depois da crise de herpes.

Em termos de tratamento, a primeira coisa a fazer para controlar a dor é dar remédios contra o herpes-zóster o mais cedo possível. A segunda é tratar as pessoas que apresentam nevralgia por tempo prolongado com medicamentos para esse tipo específico de dor causado pela inflamação do nervo.

 

HERPES-ZÓSTER E AIDS

 

Drauzio – Fale um pouquinho sobre a relação entre herpes-zóster e imunodepressão, especificamente a dos pacientes com aids que apresentam herpes-zóster.

Esper Kallás – O herpes-zóster só se manifesta em aproximadamente 20% das pessoas durante a vida inteira e não sabemos exatamente por que isso acontece. Aparentemente, existe equilíbrio entre o vírus que fica incubado e o sistema de defesa do organismo, o sistema imune. Se essa defesa baixa um pouco, o vírus tem facilitadas as condições para causar o cobreiro.

Pessoas com sistema imune muito rebaixado estão mais predispostas a manifestar herpes-zóster. Portadores de HIV com deficiência do sistema imune instalada, indivíduos com alguns tipos de câncer ou que tomam remédios imunodepressores estão mais sujeitos ao aparecimento da doença que pode ter duração prolongada e, às vezes, extrapolar a região do nervo e distribuir-se por outras áreas do corpo. Nesse caso, a doença não está mais localizada, requer cuidados redobrados e tratamento muito mais agressivo.

Quando as vesículas já criaram casquinhas, ou crostas, é sinal de que o vírus não está mais lá e que o sistema de defesa deu conta de debelar a infecção. Nesse caso, não vale mais a pena tratar, porque já se perdeu a oportunidade de aproveitar os benefícios do uso do antiviral.

 

Drauzio – Os casos em que a doença se dissemina pelo corpo, embora muito graves, são raros e, para que se instalem, o sistema imunológico precisa estar muito debilitado.

Esper Kallás – É verdade. E, porque são muito graves, requerem cuidados especiais. Por exemplo: os antivirais precisam ser ministrados por via intravenosa para se ter certeza de que a quantidade de medicamento é suficiente para conter o avanço da doença.

 

PRENÚNCIO DE OUTRAS DOENÇAS

 

Drauzio – Vamos pensar na pessoa normal que de repente começa a sentir uma sensação esquisita, um pouco de dor e dois dias depois vê eclodir as lesões do herpes-zóster sem que nenhuma enfermidade de base justifique esse aparecimento. Alguns médicos defendem que esses casos precisam ser investigados, porque podem ser sinal de uma infecção oportunista denunciando a presença de que alguma coisa mais grave está ocorrendo no organismo. Há justificativa científica para essa conduta?

Esper Kallás – Por muitas décadas, a classe médica esteve preocupada com esse problema e foram feitos vários trabalhos envolvendo centenas de pessoas com herpes-zóster para verificar se sua presença era sinal de doenças como a deficiência imunológica ou algum tipo de câncer, por exemplo. No entanto, como todas essas pesquisas não foram capazes de estabelecer relação entre o herpes-zóster e o prenúncio de doenças mais graves, a investigação foi abandonada. Assim, pessoas com herpes-zóster não precisam ficar preocupadas com a possibilidade de estarem imunologicamente deprimidas, exceto se outros sintomas, além do herpes-zóster, sugerirem a presença de doenças mais graves.

 

 Drauzio – Nós já mencionamos que são mais susceptíveis de apresentar herpes-zóster as pessoas com aids ou fazendo tratamentos que debilitam muito a imunidade.  Diabéticos também estão mais sujeitos a desenvolver a doença?

Esper Kallás – Não. Sabe-se que a principal causa do herpes-zóster é a depressão imune, mas não se conseguiu estabelecer correlação entre seu aparecimento mais frequente e outras enfermidades.

 

USO DE ANTIVIRAIS

 

Drauzio – Hoje, existem antivirais potentes para o tratamento do herpes-zóster. Quando devem ser prescritos?

Esper Kallás – O herpes-zóster tem uma história de resolução natural. Mesmo que nada seja feito, provavelmente em sete dias a pessoa estará curada. A grande vantagem do tratamento precoce está em diminuir a possibilidade de instalação da nevralgia, da dor intensa, especialmente nas pessoas acima de 40 anos.

Portanto, assim que se nota o aparecimento das primeiras vesículas, o indicado é introduzir a medicação, na maior parte das vezes por via oral. Hoje, existem vários medicamentos diferentes que cumprem essa função. O primeiro a aparecer foi o aciclovir que pode ser tomado na forma de comprimidos. O único inconveniente desse remédio é que precisa ser tomado de quatro em quatro horas, enquanto outros antivirais podem ser tomados duas ou três vezes por dia apenas. Isso facilita a adesão ao tratamento que deve ser mantido pelo período curto de cinco dias.

 

Drauzio – Alguns casos exigem tratamento mais prolongado?

Esper Kallás – Exigem tratamento um pouco mais prolongado as pessoas com sistema imune muito debilitado ou com herpes-zóster mais agressivo e persistente.

 

Drauzio – Você disse que os primeiros sintomas são formigamento e dor. Depois aparecem as vesículas com líquido em seu interior, que criam uma crosta e caem encerrando o episódio de herpes-zóster. Você disse também que o tratamento deve ser instituído o mais rapidamente possível. Há momentos em que não adianta mais tratar?

Esper Kallás – Quando as vesículas já criaram casquinhas, ou crostas, é sinal de que o vírus não está mais lá e que o sistema de defesa deu conta de debelar a infecção. Nesse caso, não vale mais a pena tratar, porque já se perdeu a oportunidade de aproveitar os benefícios do uso do antiviral.

 

Drauzio – Depois que as crostas se formaram, o vírus saiu da pele, mas não desapareceu do organismo. Ele volta para dentro da raiz nervosa e as células de defesa e os anticorpos não conseguem atingi-lo. Isso indica que o herpes-zóster pode recidivar?

Esper Kallás – Pode, mas é muito incomum. As recidivas só ocorrem em aproximadamente 4% das pessoas que gozam de boas condições de saúde. Portanto, quem já teve um episódio de herpes-zóster dificilmente terá outro.

 

VACINAS

 

Drauzio – Existe vacina contra o vírus varicela-zóster?

Esper Kallás – Existe uma vacina contra esse vírus usada na prevenção da catapora em crianças. Ministrada em dose única a partir de um ano de idade, garante de 90% a 100% de proteção, segundo todos os estudos realizados. No Brasil,  ela já consta do sistema gratuito de vacinação.

É possível que essa vacina também previna episódios de herpes-zóster. No entanto, tal hipótese demanda tempo para ser comprovada, uma vez que a vacina é relativamente recente.

 

Drauzio – Mas especificamente contra o herpes-zóster existe vacina?

Esper Kallás – No Brasil, desde abril de 2014, podemos contar com uma vacina em dose única específica contra o herpes-zóster. Chama-se Zostavax e tem aprovação da Anvisa para ser ministrada a partir dos 50 anos, fase em que as pessoas apresentam maior risco de desenvolver a doença. Além de reduzir um pouco a possibilidade de reativação do vírus, essa vacina previne a incidência da nevralgia pós-herpética e seus quadros dolorosos.    

 

Drauzio – Vale a pena vacinar contra catapora pessoas que vão fazer tratamento agressivo contra o câncer ou transplante de órgãos?

Esper Kallás – O primeiro passo é saber se a pessoa teve ou não varicela ou catapora. Se teve, não adianta vacinar, porque já entrou em contato com o vírus. Caso contrário, vale a pena fazer a vacina.

A vacinação também é indicada para crianças com certos tipos de leucemia e de linfomas e que não entraram na faixa etária de maior exposição ao vírus varicela-zóster. Para as pessoas de mais idade, como o vírus é muito comum e facilmente transmissível, a maioria já entrou em contato com ele e a vacina contra catapora não trará benefício algum.

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