Herpes simples | Entrevista

A principal manifestação do herpes simples, uma infecção causada por vírus, é a presença de pequenas vesículas agrupadas que podem aparecer em qualquer parte do corpo, mas que em geral surgem nos lábios e nos genitais.

close de lábio com ferida causada por herpes simples

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Publicado em: 10 de outubro de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

O herpes simples causa pequenas vesículas agrupadas que em geral aparecem nos lábios e nos genitais. Veja mais na entrevista.

 

* Edição revista e atualizada.

 

A principal manifestação do herpes simples, uma infecção causada por vírus, é a presença de pequenas vesículas agrupadas que podem aparecer em qualquer parte do corpo, mas que em geral surgem nos lábios e nos genitais (imagem 1). Nos lábios, elas se localizam preferencialmente na área de transição entre a mucosa e a pele e de um lado só da boca, embora na primeira infecção possam ocorrer quadros mais extensos (imagem 2).

A irrupção das lesões cutâneas é precedida por alguns sintomas locais como coceira, ardor, agulhadas, formigamento, mas em torno de uma semana o problema desaparece.

Entretanto, a primeira infecção pelo herpes vírus costuma ser mais grave e o restabelecimento completo, mais demorado. As lesões podem espalhar-se pelos dois lados da face ou dentro da boca com aspecto semelhante ao das aftas. Na fase final da evolução da doença, é comum o aparecimento de crostas (imagem 3).

O herpes simples não deve ser confundido com o herpes-zóster, provocado por um vírus da mesma família do herpes simples, mas com quadro clínico bastante diferente. As vesículas acometem um lado só de determinada região do corpo — nas imagens 4a e 4b apenas a face esquerda –, mas as lesões são muito mais extensas e estão associadas à dor intensa e persistente. Nesse caso, o tratamento precisa ser mais agressivo, porque a doença é mais grave.

 

Veja também: Herpes oral, herpes genital e herpes-zóster

 

INFECÇÃO PELO HERPES VÍRUS HUMANOS (HSV–1 e 2)

 

Drauzio Como age o vírus do herpes simples?

Cristina Abdalla – O herpes vírus caminha pelas terminações nervosas e atinge a pele. Na epiderme (primeira camada da pele), produz alteração nas células e surgem pequenas vesículas agrupadas, que se assemelham a um cacho de uvas. Depois, essas bolhinhas ressecam, forma-se uma crosta e a lesão desaparece. Essas são as principais características da infecção herpética tanto labial quanto genital.

 

Drauzio Quanto tempo dura a infecção e quais são os principais sintomas?

Cristina Abdalla – Geralmente, a crise de herpes dura de 7 a 10 dias. Horas ou um dia antes do aparecimento das vesículas na pele, algumas pessoas pressentem a crise pelos sintomas desagradáveis de ardor, queimação ou coceira no local afetado, porque o vírus está replicando e caminhando pelo nervo.

 

Drauzio Nos casos de herpes genital, algumas pessoas se queixam de dor que corre pelas pernas como se fosse um choque.

Cristina Abdalla – O herpes vírus tem afinidade pelas terminações nervosas (tropismo), onde permanece silencioso. Quando a pessoa tem uma baixa de resistência, ele começa a multiplicar-se, o nervo inflama e surgem os sintomas citados acima, antes mesmo de o quadro clínico instalar-se.

Em certos casos, os sintomas somem quando as lesões cutâneas aparecem. Noutros, principalmente nos de herpes labial, eles podem persistir durante toda a crise.

 

Drauzio O herpes simples pode aparecer em qualquer lugar do corpo (imagens 5a e 5b). O que explica essa predileção pelos lábios e pelos genitais?

Cristina Abdalla – Embora as lesões possam aparecer em qualquer parte do corpo, a transmissão do vírus do herpes labial geralmente se dá na boca. A pessoa tem uma feridinha, entra em contato direto com o vírus pelo beijo ou pela saliva, por exemplo, ele penetra e procura um nervo onde fica latente até provocar uma infecção. Já o herpes genital é transmitido por via sexual e pode aparecer também nas nádegas ou na região perineal.

 

A FORÇA DA IMUNIDADE

 

Drauzio Um fato que desorienta os portadores de herpes é que, às vezes, as crises se repetem com muita frequência e, de repente, ocorrem longos períodos de remissão. Como se explica isso?

Cristina Abdalla – A ocorrência das crises está intimamente relacionada com a imunidade das pessoas. Se ela estiver baixa, o vírus replica, vence o exército de defesa do organismo e as crises se tornam mais frequentes. Se a imunidade estiver boa, os períodos de remissão podem ser longos.

 

Drauzio Essa baixa de resistência pode estar associada a outras doenças, um quadro gripal, por exemplo, mas pode haver deficiência específica contra o vírus mesmo que não haja queda da imunidade de maneira geral?

Cristina Abdalla – Não é preciso ocorrer um quadro mais sério de deficiência da imunidade para as crises se manifestarem. Pequena queda de resistência pode causar a infecção herpética, também chamada popularmente de febre da pele ou febre intestinal. Ela pode ser desencadeada também pelo estresse físico ou psicológico, fadiga ou exposição solar.

A prática no consultório revela que alguns fatores estão associados às crises. O sol é um deles. No verão, o número de pessoas com crises de herpes aumenta. Estresse é outro fator importante e a mulher se queixa muito de que as crises estão associadas ao ciclo menstrual. Lábios rachados pelo clima seco também são mais susceptíveis à infecção.

Para proteger do sol, indica-se o uso de fotoprotetores labiais, que nem sempre conseguem evitar a crise.

O tipo 1 provoca herpes labial e o tipo 2, herpes genital. Acima da cintura, geralmente a maior incidência é de herpes tipo 1 e abaixo da cintura, de herpes tipo 2, mas isso não é uma regra absoluta.

 

Drauzio Os fotoprotetores realmente funcionam?

Cristina Abdalla – Via de regra os pacientes se referem aos fotoprotetores como meio capaz de reduzir a frequência das crises. Não conheço, porém, nenhum estudo científico que comprove sua eficácia. O grande problema pode estar na utilização adequada do produto, uma vez que na praia ou na piscina as condições são diferentes daquelas obtidas em laboratório. A própria saliva ou algo que a pessoa beba podem removê-lo e nem sempre ele é reaplicado como deveria. De qualquer forma, teoricamente, fotoprotetores funcionam como fator de proteção e essa é razão de indicarmos seu uso.

 

Drauzio Normalmente, os episódios de herpes são benignos. Uma coceira ou queimação no local, vesículas que surgem e desaparecem numa semana são os sintomas mais comuns. No entanto, em alguns casos a doença complica e provoca alterações bastante sérias. Você poderia explicá-las?

Cristina AbdallaAlgumas alterações são mais sérias (imagem 6). As lesões podem manifestar-se fora e dentro da boca, na pele ao redor do nariz e virem acompanhadas de uma infecção secundária por bactérias com febre, dor e mal-estar. Às vezes, são tão intensas que acometem a face toda, especialmente se o paciente apresentar outras doenças como dermatite atópica, estiver tomando corticoides ou estiver imunossuprimido. Se considerarmos a vida mais ativa que as pessoas levam hoje, a crise de herpes pode representar um problema bastante sério.

 

Drauzio – E a associação do vírus do herpes humano com o da encefalite é frequente?

Cristina Abdalla – O vírus do herpes é neurotrópico, tem afinidade pelo sistema nervoso. Sua associação com o vírus da encefalite ocorre mais em indivíduos com imunossupressão, portadores de câncer, do vírus da aids com a doença ativa e nos que tomam corticoides. Portanto, o quadro pode ser muito mais grave, se a imunidade estiver deprimida, e exigirá internação hospitalar e tratamento com antivirais por via endovenosa.

 

DrauzioEpisódios clássicos mais frequentes de herpes nem sempre querem dizer que o portador esteja debilitado imunologicamente?

Cristina Abdalla – Os episódios de herpes podem ser mais frequentes porque o indivíduo apresenta debilidade para reconhecer e combater o vírus e não porque existe uma alteração importante da imunidade.

 

Veja também: Estomatite herpética

 

TRATAMENTO DO HERPES

 

Drauzio – Existem vacinas para impedir que as lesões voltem?

Cristina Abdalla – Infelizmente, elas ainda não existem. Foram criadas algumas vacinas do tipo recombinante que não funcionaram a contento. Atualmente, uma vacina está na fase de teste em humanos. Conforme os resultados, talvez se possa proporcionar algum alívio para os indivíduos com crises frequentes.

A transmissão ocorre mais durante as crises, mas também acontece fora delas porque o indivíduo pode apresentar infecções subclínicas, sem lesões visíveis. A literatura médica registra que em torno de 20% dos parceiros sexuais se infectam quando têm vesículas aparentes. Se elas não se manifestam, é difícil avaliar a via de transmissão.

 

Drauzio – Como deve ser conduzido o tratamento para herpes simples?

Cristina Abdalla – Via de regra, o tratamento deve ser indicado para todos os pacientes, porque assim se diminui a possibilidade de contágio. O herpes vírus é altamente infectante. A primeira orientação que se dá aos pacientes sempre diz respeito aos cuidados locais de higiene. Lavar bem as mãos, evitar contato direto com outras pessoas e não furar as bolhas sob nenhum pretexto são outras recomendações importantes. É indispensável prevenir uma infecção secundária por bactéria o que iria piorar muito o quadro.

Estudos demonstram que algumas pomadas de uso tópico ajudam a diminuir o período de evolução da crise herpética, mas o efeito é muito discreto se comparado com o dos casos em que elas não foram aplicadas. Por isso, os medicamentos antivirais por via oral são os mais indicados para o tratamento da doença.

 

Drauzio – Como esses medicamentos devem ser utilizados? Quando é ideal começar o tratamento?

Cristina Abdalla – O ideal é começar o tratamento o mais depressa possível. Assim que o indivíduo perceber a instalação dos sintomas ou pressentir a chegada da crise, deve começar a tomar antivirais. Dependendo da droga, o tratamento pode começar 72 horas antes das primeiras lesões aparecerem e deve ser mantido durante cinco ou sete dias.

Pacientes bem treinados no reconhecimento precoce desses sinais dizem que conseguem até “abortar” a crise, se tomarem logo a medicação. Mesmo que isso não aconteça, esses remédios encurtam a duração da doença e diminuem o número de lesões e a intensidade dos sintomas.

 

Drauzio O problema é que esses medicamentos custam muito caro. A relação custo-benefício justifica sua indicação?

Cristina Abdalla – Os antivirais são drogas modernas que atuam na replicação dos vírus e realmente custam caro. Acredito, porém, que representam um benefício principalmente para os indivíduos que têm de quatro a seis crises por ano, com lesões que levam pelo menos uma semana para cicatrizar e causam constrangimento nas atividades do dia a dia.

Reduzir esse prazo é sempre um ganho para os pacientes. Entretanto, se a crise for branda, sem a formação de vesículas e só aparecer uma plaquinha vermelha que desaparece em dois ou três dias, talvez não seja necessário indicar o tratamento com antivirais.

 

HERPES GENITAL

 

Drauzio – O impacto do herpes genital nas pessoas com vida sexual ativa é sempre constrangedor. Tive um paciente que dizia que o herpes genital não lhe causava problemas a não ser que tivesse relações.

Cristina Abdalla – O trauma físico das relações pode desencadear as crises. De qualquer forma, o herpes genital traz sempre um constrangimento para o portador e quanto mais rapidamente a crise for debelada, maior será o conforto do paciente.

 

Drauzio – Nos homens as lesões são mais visíveis, embora algumas possam localizar-se na uretra. Nas mulheres, pela posição anatômica dos genitais, o diagnóstico é mais complicado.

Cristina Abdalla – As lesões podem aparecer nos genitais femininos externos. O diagnóstico complica quando aparecem nos órgãos internos, às vezes, no colo do útero e o ginecologista só consegue identificá-las durante a vigência das crises.

 

Drauzio Você citou mulheres, por exemplo, que têm herpes em todos os períodos pré-menstruais. O que se pode fazer para evitar essa repetição desagradável das crises.

Cristina Abdalla – Existe uma terapia que chamamos de supressora e que consiste em usar o antiviral por períodos prolongados que vão de seis a doze meses. Estudos mostram que, enquanto a medicação está sendo administrada, as crises praticamente desaparecem ou se tornam bem mais esparsas. Infelizmente, elas retornam tão logo a medicação seja suspensa.

Em relação ao herpes genital, um estudo americano demonstrou que a partir dos 12 anos, portanto a partir do início da vida sexual, 40% das pessoas analisadas têm sorologia positiva e de 12% a 20% têm crises.

 

Drauzio – A experiência mostra que se trata de medicamentos bastante seguros. Nos tratamentos de câncer, às vezes, é preciso usá-los por longos períodos e os doentes os suportam bem.

Cristina Abdalla – Esses medicamentos praticamente não apresentam efeitos colaterais nem interação com outras drogas. Nem todas as drogas quimioterápicas, por exemplo, combinam entre si e é preciso tomar cuidado com sua indicação. Com os antivirais empregados para o tratamento de herpes, isso é raro de acontecer. Eles constituem uma medicação fácil de administrar e sem efeitos adversos.

 

Drauzio Quando vale a pena indicar o uso contínuo por um período para prevenir a recidiva das crises?

Cristina Abdalla – O critério para indicar o uso desses medicamentos por período prolongado é o número e a intensidade das crises que a pessoa tem num ano. Há casos em que o herpes pode aparecer também no olho, um órgão nobre que exige tratamento prolongado com antivirais.

 

HERPES VÍRUS TIPO 1 e 2

 

Drauzio Há diferença entre os vírus que provocam herpes labial e herpes genital?

Cristina Abdalla – Ambos pertencem à mesma família, mas são subtipos diferentes. O tipo 1 provoca herpes labial e o tipo 2, herpes genital. Acima da cintura, geralmente a maior incidência é de herpes tipo 1 e abaixo da cintura, de herpes tipo 2, mas isso não é uma regra absoluta.

 

Drauzio Quem tem herpes labial pode transmitir o vírus por sexo oral?

Cristina Abdalla – Pode transmitir e o mesmo indivíduo pode ter vírus dos dois tipos. Não há imunidade cruzada, isto é, desenvolver imunidade contra um vírus não assegura imunidade contra o outro. No entanto, o indivíduo com herpes labial que adquire herpes genital geralmente desenvolve uma infecção mais branda.

 

Drauzio – O tratamento é o mesmo para os dois tipos de vírus?

Cristina Abdalla – A droga age no DNA do vírus e é a mesma para os dois casos, assim como é igual o tempo de tratamento. Alguns médicos preferem mudar um pouco a dosagem, mas a medicação é basicamente a mesma.

 

Drauzio Num casal em que o marido tenha herpes genital, com que frequência a mulher se infecta?

Cristina Abdalla – A transmissão ocorre mais durante as crises, mas também acontece fora delas porque o indivíduo pode apresentar infecções subclínicas, sem lesões visíveis. A literatura médica registra que em torno de 20% dos parceiros sexuais se infectam quando têm vesículas aparentes. Se elas não se manifestam, é difícil avaliar a via de transmissão.

 

Veja também: Herpes genital na gravidez

 

O uso de preservativos ou até mesmo a abstinência sexual são condutas importantes durante a crise. O ideal seria usar preservativos sempre, mas a prática médica mostrou que isso é inviável. A situação é delicada e talvez só a vacina consiga resolvê-la. De qualquer modo, as pessoas precisam encontrar uma maneira de se proteger para evitar o contágio.

 

PREVALÊNCIA DA INFECÇÃO

 

Drauzio A prevalência do herpes labial nas pessoas é altíssima. Qual é a prevalência geral do herpes genital?

Cristina Abdalla – Se aplicarmos o teste na população, através do exame de sangue, verificaremos que 90% entraram em contato com o vírus do herpes simples do tipo 1, mas que só de 20% a 40% apresentaram crises. Em relação ao herpes genital, um estudo americano demonstrou que a partir dos 12 anos, portanto a partir do início da vida sexual, 40% das pessoas analisadas têm sorologia positiva e de 12% a 20% têm crises.

 

Drauzio Quer dizer que a relação entre número de infectados e de pacientes que desenvolvem crises é mais ou menos a mesma no herpes labial e no genital?

Cristina Abdalla – Parece que é, embora os dermatologistas diagnostiquem mais casos de herpes labial e os ginecologistas, certamente, de herpes genital.

 

Drauzio Você acredita que surgirão medicamentos mais eficazes do que os atuais para o tratamento de herpes?

Cristina Abdalla – Sempre há esperança. Há estudos em andamento a respeito do assunto e a indústria farmacêutica está aí, empenhada em produzir novas drogas. Não se tem notícia, porém, de que isso irá tornar-se realidade num futuro próximo.

 

Drauzio Como 90% da população têm anticorpos contra o vírus, é praticamente impossível criar uma criança que não seja infectada por ele.

Cristina Abdalla – Mais cedo ou mais tarde, ela vai entrar em contato com esse vírus. Trata-se de uma infecção muito prevalente. Fala-se que depois do vírus da gripe, o herpes vírus é o de maior incidência.

 

PRIMEIRA INFECÇÃO

 

Drauzio – Em geral, a primeira crise é mais grave do que as demais?

Cristina Abdalla – Em geral, é mais grave. O sistema de defesa não reconhece o vírus e o indivíduo tem uma crise mais intensa. Uma deficiência parcial da imunidade é causa das crises posteriores que, todavia, podem ser mais brandas.

 

Drauzio – Algumas crises passam totalmente despercebidas. A criança se enche de aftas (gengivoestomatite herpética) e os leigos atribuem o problema a algum distúrbio do aparelho digestivo.

Cristina Abdalla – Isso acontece também com muitas outras viroses. A pessoa faz um exame de sangue e descobre que entrou em contato com o vírus da varicela, por exemplo, embora não se lembre de ter manifestado a doença.

Com o herpes é a mesma coisa. Uma lesão nos lábios, uma bolinha avermelhada pode aparecer e sumir sem a pessoa dar-se conta do problema.

 

Drauzio Mesmo a pessoa que não tenha lesões pode transmitir herpes?

Cristina Abdalla – A documentação a respeito do assunto revela que as vesículas são ricas em vírus e que na fase subclínica, quando não são aparentes, eles podem ser transmitidos por relações sexuais, pelo beijo ou pela saliva contaminada.

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