O tormento do zumbido

Embora tenha-se criado a ideia de que zumbido não tem cura, o problema pode ser tratado com medicamentos e terapia de habituação.

Mulher com mão em concha na orelha.

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Publicado em: 17 de maio de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Embora tenha-se criado a ideia de que zumbido no ouvido não tem cura, o problema pode ser tratado com medicamentos e terapia de habituação.

 

Uma noite, aos 31 anos, a tradutora Lilian Panico foi se deitar com uma companhia indesejável. O silêncio que faz desse período o seu favorito para colocar a leitura em dia permitiu também que ela notasse uma presença extremamente incômoda. Nessa noite, ela passou a ouvir um som que ninguém mais ouvia.

Ao aconchegar-se ao lado do marido, quando ia começar a ler, ela notou um barulho de batimento cardíaco, como se uma veia pulsasse dentro de seu ouvido direito. Não havia dor e tampouco a sensação física de algo pulsando. Somente o som: tum-tum, tum-tum… “Eu nunca tinha ouvido aquilo e achava que era momentâneo, mas foi ficando, ficando…”

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Lilian, hoje com 34 anos, faz parte do grupo de 28 milhões de brasileiros que sofrem de zumbido, uma condição conhecida também pelo nome em inglês, “tinnitus”. No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 278 milhões de pessoas com o problema, caracterizado pela audição de um som constante ou que vai e volta, sem ter nenhuma relação de causa e efeito com o ambiente.

É impossível saber como é exatamente o ruído do zumbido. Apesar do nome, sabe-se que poucas vezes lembra um “zzzzz”, como o de um enxame de abelhas. Pelos relatos, supõe-se que o som não seja sempre o mesmo. “Pacientes comparam com barulho de cigarra, apito, concha, panela de pressão, chiado, cachoeira”, diz o Dr. Cassio Antonini, otorrinolaringologista pela Santa Casa de São Paulo. As referências a cigarra e apito são as mais comuns.

 

Causas diversas

 

Em um quadro normal, as vias auditivas captam a vibração dos sons gerados no ambiente e os enviam na forma de impulsos elétricos para o cérebro. O distúrbio se instala quando as vias auditivas passam a enviar impulsos mesmo sem haver uma fonte gerando o som. O grande obstáculo para o tratamento do zumbido é descobrir o que leva a essa emissão indiscriminada de impulsos, já que o zumbido em si não é uma doença, e sim, um sintoma.

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Excesso de cera, infecções e lesões do ouvido são causas possíveis do problema. No entanto, muitos outros fatores que aparentemente não têm nada a ver com o sistema auditivo podem dar origem a esse sintoma. Desvios de coluna, alterações cardiovasculares, diabetes, disfunções da articulação da mandíbula e consumo excessivo de cafeína, álcool e tabaco são alguns deles.

A impressão de que o zumbido atinge mais os idosos é falsa, mas tem uma explicação: cerca de 90% dos casos têm como causa principal a perda auditiva. Como esse problema atinge mais a terceira idade, há mais ocorrências de zumbido nessa faixa etária. O som incômodo, entretanto, pode aparecer em qualquer idade, em pessoas com audição normal ou não. Há, porém, relação com o gênero: ainda sem explicação, o problema acomete mais o sexo feminino.

 

Tormento

 

O som da maioria dos zumbidos é agudo com volume entre três e sete decibéis (db), valor considerado bastante baixo. Somente como termo de comparação, o ruído da respiração, que é quase inaudível, fica em torno de 10 db, enquanto o do sussurro atinge cerca de 20 db. Na verdade, um som só começa a ficar desconfortável para alguém com audição normal quando chega perto dos 100 db, ou seja, próximo do barulho de uma motocicleta.

O valor do som em decibéis, entretanto, não tem nada a ver com o incômodo que ele causa. O grau de desconforto é notadamente subjetivo. “Às vezes, um paciente com zumbido de 6 db relata que não se incomoda com o barulho e que, na maior parte do tempo, até esquece que ele existe. Já outro, que ouve um som de 3 db, pode queixar-se constantemente e considerá-lo insuportável, a ponto de não permitir que durma direito”, afirma Andrea Eichner, fonoaudióloga do Centro de Estudos e Reabilitação em Audiologia.

A dificuldade para identificar a origem do problema criou o mito de que não há tratamento eficaz para o zumbido. A dona de casa Elza Jardim passou a ter zumbido nos dois ouvidos após uma crise de labirintite violenta, aos 50 anos. Ela só foi procurar um otorrino aos 70 anos e, quando o fez, foi pela perda auditiva que começava a manifestar-se, e não pelo incômodo provocado pelo som que aparentemente vinha do nada. “Eu conversava com conhecidos e todo mundo dizia que não tinha cura. Durante 15 anos vivi com um som de alarme distante nos dois ouvidos. Nos últimos cinco anos, ficou só do lado esquerdo o som de uma cigarra que nunca descansa”.

 

Medidas extremas

 

Apesar do barulho ininterrupto, dona Elza consegue conviver com o zumbido sem maiores transtornos. Assim como ela, existem pacientes que passam por consultas médicas sem sequer mencionar o problema ao longo de toda a vida.

O mito de ser incurável, entretanto, não cria somente pacientes resignados. Alguns são tomados por um sofrimento tão intenso que pode evoluir para transtornos psiquiátricos e levar a medidas extremas. “Há pacientes que chegam ao consultório mesmo sem acreditar que podem melhorar, mas decidem procurar tratamento porque já começaram a pensar em suicídio”, afirma Andrea Eichner.

Embora seja intuitivo admitir que o incômodo do zumbido pode levar a transtornos psiquiátricos, o inverso também é possível. Distúrbios como ansiedade e depressão alteram os níveis dos neurotransmissores que estimulam as vias auditivas e podem causar zumbido. Como o estado emocional pode confundir a noção do que veio antes ou depois, é fundamental conduzir uma investigação minuciosa para saber o que é causa ou consequência e, assim, poder tratar adequadamente.

 

Tratamentos

 

A forte ligação entre zumbido e perda auditiva facilita bastante o tratamento. Nesses casos, para a maioria dos pacientes o uso de aparelho amplificador é suficiente para acabar com os dois problemas. É necessário, porém, fazer uma pequena adaptação no dispositivo, abrindo um furo para ventilação, pois tampar o ouvido intensifica a sensação incômoda.

Quando o problema não decorre de perda auditiva, tenta-se identificar a causa. Essa é uma das partes mais difíceis do tratamento, já que, tirando o zumbido, o problema original pode ser totalmente assintomático.

Quando se torna inviável investigar todo o organismo em busca da causa do zumbido, a orientação é identificar os “gatilhos”, elementos que disparam ou pioram o desconforto. Álcool, sal, doces, chocolate, cafeína e nicotina são gatilhos comuns, mas nem sempre existe um elemento disparador. “A primeira orientação dada pelo otorrino foi tirar o café do dia a dia. Deixei de tomar por dois meses. Não funcionou”, diz dona Elza.

Quando nenhum gatilho é localizado, alguns medicamentos podem funcionar. “O tratamento clínico consiste na indicação de vasodilatadores periféricos, ansiolíticos e anticonvulsionantes”, explica o Dr. Cassio Antonini.

 

Terapia de Habituação

 

Nos anos 1990, foi desenvolvida uma terapia de adaptação chamada TRT, do inglês Tinnitus Retraining Therapy. Em tradução livre, a Terapia de Habituação ao Zumbido consiste em habituar o paciente a conviver com o som a ponto de não mais notá-lo.

A primeira etapa da terapia é dedicada a definir as principais características do zumbido. O paciente ouve um chiado e vai orientando modificações de timbre, frequência (grave ou aguda) e volume, até que se consiga chegar ao som mais parecido com o que ele escuta.

Com base nesse achado, o especialista configura um aparelho que gera um chiado padrão em volume um pouco mais baixo que o zumbido ouvido. Atualmente, esse gerador de som pode ser embutido no próprio aparelho para surdez. Os dois ruídos mais comuns são chamados de “White Noise” e “Pink Noise”, e o paciente escolhe com qual dos dois se sente mais confortável e adaptado.

“O objetivo é desviar a atenção do cérebro do zumbido para o chiado, e como o som deste último é contínuo e monótono, a pessoa para de prestar atenção”, explica Andrea Eichner.

É como treinar o cérebro para lidar com o zumbido da mesma forma que lida com o som de uma CPU: ele percebe o som quando o computador é ligado, mas rapidamente passa a ignorá-lo, a ponto de só voltar a perceber quando ele é desligado.

O tratamento é longo, estende-se por 18 a 24 meses, e durante todo esse tempo é feito um aconselhamento psicológico. “Quem tem o estresse como gatilho, por exemplo, não vai conseguir escapar de um eventual retorno de zumbido mais intenso. É preciso orientá-lo sobre como lidar com recaídas e como administrar sua convivência com o som de forma a não se abater”, diz Andrea Eichner.

O ideal é procurar orientação se o zumbido persistir por mais de um dia, mesmo acreditando que será possível habituar-se sozinho. A tradutora Lilian Panico chegou a incorporar o som ao seu cotidiano. “Aquele som já era parte de mim. Em uma viagem acordei à noite e cheguei a ficar assustada, porque o zumbido havia sumido”. Porém, diferentemente do que se consegue com a habituação terapêutica, acostumar-se sozinho pode não ser suficiente para eliminar o temor e a angústia. “Meu medo até hoje é passar a ter nos dois ouvidos. Com um deles, pelo menos, eu ainda ouço o som do silêncio”.

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